30
de Dezembro e de 2011
Argenta afaga o pequeno gato que traz sentado no
colo.
As decisões são tomadas e o tempo não pára para
festejar.
Foram chegando notícias da viagem mas com pouca
regularidade. Sabia que seria assim. Dois anos passam depressa demais para dar
uso à saudade. O peito, esse, reclama. As manhãs nascem como sempre e da janela
do torreão o sofrimento ainda a aflige.
Aragenta fala todos os dias com os seus súbditos.
Faz questão de estar mais próxima do povo, de escutar as suas sugestões e
acrescenta sempre aos seus discursos palavras que escutou e bebeu dos seus
fiéis. Contudo, a tristeza, a sensação de perda e muitas outras preocupações
são ainda uma constante. Na capital do império houve muitos mortos e ainda há
centenas de feridos recolhidos em abrigos improvisados que foram montados nos
arredores da cidadela. Estas circunstâncias excepcionais não alteraram em nada
o afecto e o respeito do povo para com a sua rainha. Repentinamente e sem
aviso, Argenta viu-se privada de todos os seus homens, todos aqueles que mais
amava.
Primeiro surge sempre o dever e só depois o seu ser.
A rainha mudou após o ataque da besta violenta, mudou como o reino, mudou como
mudou a vida de todos os que habitavam ao sul do grande império.
Os jardins do palácio foram rapidamente
reconstruídos para servir de exemplo a toda a cidade e também a todo o império.
Argenta sente o tempo parar à sua volta.
As imagens dos últimos doze anos de vida
apareceram-lhe à frente num golpe mágico de luz que não consegue compreender.
Sente-se leve, muito leve. Uma estranha sensação volta a apertar-lhe o coração.
Hannibas corre perigo, sente-o sem saber explicar porquê. A luz branca torna
tudo muito claro e transparente. O gato fugiu, abalou para parte incerta. Um
mau estar generalizado toma conta do seu corpo. Sente-se tonta e agoniada. O
mundo gira à sua volta. Perde o equilíbrio com facilidade e nada parece fazer
grande sentido. O brilho dessa luz torna-se cada vez mais forte e Argenta deixa
de sentir dor, deixa de sentir o corpo, o chão, deixa de saber onde se
encontra. A cabeça pesa-lhe, as cores desaparecem e os sons que escuta são
estranhos e distantes. Hannibas pede-lhe ajuda. Reconhece a sua voz muito
longínqua.
- Salva a tua vida, filho meu! Foge! Foge para bem
longe desse lugar onde te encontras. As sombras perseguem-te, os animais
selvagens perseguem-te e ameaçam-te de morte. Tens de encontrar a tua princesa
rapidamente pois mais ninguém te poderá ajudar, nem eu te conseguirei prestar
auxílio, filho meu! Terás de a conhecer, de a reconhecer no meio da escuridão
desse campo onde viajas. Não digas a ninguém que te tentei ajudar pois caso o faças
de nada te servirá este conselho.
Argenta não sente as pernas, não sente as mãos, sente
que vai desfalecer a qualquer instante.
Acorda no seu leito acompanhada pelas aias de companhia.
Passou dois dias a dormir. O cansaço acumulado, os receios, os medos, a imensa responsabilidade,
o trabalho de quatro reis que lhe caiu às costas sem aviso nenhum, tudo se reuniu
até resultar nesta alteração à constância de seus dias.
A rainha foi derrotada pela primeira vez!
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