25
de Dezembro de 2011
As histórias todas existem em Hannibas neste
momento.
O seu novo corpo azul, da cor das pedras do fundo da
lagoa onde repousa, ilumina as águas num clarão sem igual.
A neve chegou depressa.
A chuva que deu origem a todos os lagos e lagoas transforma-se
num forte nevão que pinta de branco a paisagem.
O frio congela o tempo que ganha uma coloração azul
esbranquiçada como a neve e a luz que ilumina as águas cristalinas da lagoa de
Hannibas.
- Não sei o que procuro. Pequei, pequei, esqueci-me
de como aqui cheguei. Esqueci-me de abrir a alma e revelar os meus segredos.
Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui cheguei. Esqueci-me das histórias que
me contaram, esqueci o cheiro das cinzas das fogueiras para onde as lancei.
Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui cheguei. Esqueci-me de como são geladas
as águas iluminadas e de como a morte parece tão aconchegante. Pequei, pequei,
esqueci-me de como aqui cheguei. Esqueci-me de ser a esperança da família e de
todo o reino, e de como me comportei. Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui
cheguei. Esqueci-me do pedido concedido, daquele em que desejei ser eu o rei.
Pequei, pequei, e o tempo, prisioneiro no fundo destas águas, trouxe-me de
volta a lembrança do perfume de meu pai. Tem sede e não consegue beber, arde em
febre, treme, os olhos trazem a íris embaciada, incolor. Ninguém o protege,
ninguém o trata. Levanta-se e avança desnudado em direcção á janela do torreão
que o aplaude. A mãe montanha abre-lhe os braços, tira-lhe a febre que lhe
torna a testa luzidia. A noite escura transforma-lhe o coração em pedra e o
corpo em pássaro perdido, e o rei serpente voou, seguindo o chamamento sagrado
como um verdadeiro soldado do império. Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui
cheguei. Crescemos sem saborear o valor desse triunfo. Só uma coisa podia fazer
de mim um digno herdeiro deste reino. Existe algo de verdadeiramente errado em
mim. Não pretendo sair do fundo desta lagoa tão cedo. O frio lá fora é tanto
que congelou o próprio tempo, congelou os corações e o meu está gelado no fundo
desta lagoa. Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui cheguei. O aconchego de
todas as histórias é o que me vai mantendo vivo e vigilante mas ainda não
arranjei coragem para escrever a minha própria história. O cheiro húmido da
morte tem estado sempre à nossa espera, como uma jovem víbora amaldiçoada.
Fazer planos é para quem considera ser alguma coisa e eu apenas consigo ter saudades
de meu pai. Não sonhei ocupar o seu lugar e herdar o seu legado, não tão cedo,
não sem ter compreendido como aqui cheguei. A tempestade esconde a mãe montanha
e a morte surge sorridente ao meu lado no corpo do guerreiro. As pétalas azuis
das flores da montanha chovem dos céus em seu redor. O guerreiro jaz inerte,
desnudado, no imenso branco da paisagem. Deito o meu corpo azul ao seu lado e
assim permanecemos, por séculos, debaixo desta plácida chuva de pétalas azuis.
São como memórias, como pedras onde se guardam todas as histórias, e o
Marthiris deixa de correr. As suas águas são as minhas lágrimas e são também as
lágrimas de todos aqueles que não compreenderam como aqui chegaram, para glória
da terra e da sagrada mãe montanha. E mais uma história nasce do coração das
pedras azuis que forram o leito da lagoa. O tempo não tem permissão para
acordar. Passaria tão depressa, veloz e autoritário, acabaria com a chuva de
pétalas azuis que faz nascer, debaixo da neve, todas estas flores. As águas
cristalinas são agora gelo azul iluminado onde me encontro cristalizado.
Pequei, pequei, esqueci-me de como aqui cheguei. Esqueci-me de todas as
histórias e derreti as memórias que ainda existiam no meu coração azul. Desejo umas
asas brancas, infinitas asas brancas, poderosas, e desejo que todas as histórias
sejam recordadas neste momento.
Corpo azul
Ilumina as águas
Num clarão sem igual
Cresce sem saborear
O valor do triunfo
As águas da lagoa do Marthiris
Gelo de azul cristalino
Cristalizam as memórias
Do coração azul de Hannibas
Pequei, pequei
Esqueci-me de como aqui cheguei
Desejo asas brancas
Infinitas
Desejo que todas as histórias
Recordem este momento
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