sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 37



24 de Fevereiro de 2012

Restam as palavras.
Quando tudo se despedir, tal como as pedras, ficam as palavras.
As que contam esta história serão atiradas aos ventos antes de alcançar o destino final. Como tantas outras, irão conversar com as memórias de todos os que descreveram. São heroínas despojadas de corpo físico capazes das mais inacreditáveis proezas.
Hannibas decifra as últimas palavras da primeira história. O seu caminho, longo caminho apesar de tão jovem, trouxe-lhe luz e sabedoria. Nu, tal como as palavras que foi bebendo, despede-se de quem já foi para abraçar os últimos degraus desta jornada.
Esta viagem não é só sua, esta história não é só sua.
Do seu agir e do seu pensar dependem todas as histórias.
O futuro rei-serpente viajou, viu onde se arquivaram partes importantes da primeira história, pecou, entendeu o que era visível e invisível em todas as coisas. Entendeu os segredos importantes da sua vida, aqui, nesta dimensão branca, distante e gelada da qual passou a fazer parte.
Vai, brevemente, seguir caminho até ao mosteiro de Zharkhanis, essa construção mítica que regressou à sua lembrança através das memórias resgatadas às histórias destas pedras.
As sete chaves necessárias para abrir o cofre de bronze estavam escondidas no seu coração.
A primeira, a chave da caridade e do amor imortal, foi encontrada pelo jovem príncipe quando escutou as palavras dos idosos habitantes da montanha, ascetas cegos que o receberam na primeira etapa da viagem. Hannibas foi identificado como um anjo sem rosto. Escutou-os, facultou-lhes o seu tempo, a sua atenção e admiração. Sentiu-os e relembrou as palavras de Lakis ao deixar-se tocar por esses sábios que o iam dessa forma descobrindo. Deu-se a conhecer, percebeu qual o peso da monotonia e das rotinas, percebeu que dessas qualidades se alimentam e fortificam os alicerces poderosos da mãe montanha. A sua história passou a ser contada pelos cegos ascetas porque lhes facultou a alma, as suas vontades e os seus sonhos. Hannibas foi, nesse momento, a pedra invisível que se descobriu.
A segunda, a chave da harmonia, encontrou-a ao abraçar a condição sagrada do grande rio da vida. No fundo da lagoa onde se encontravam as lágrimas cristalizadas de Wawaghan, aprendeu a parar o tempo, a parar o mundo e a compreender a solidão. Nada mais lhe pertencia e tudo lhe pertencia. A cordilheira sagrada passou a existir em Hannibas tal como todas as suas histórias. A água e a sua cor azul transformaram definitivamente o corpo do jovem príncipe e o tempo deixou de existir, é apenas ilusão.
A terceira chave, a da paciência suave, foi-lhe doada por Larniki em forma de asas brancas, imaculadas. O infinito passou a ser o aqui e agora, nunca o amanhã. Hannibas interpretou correctamente esse presente e usou-o para atravessar o rio dezenas de vezes antes de seguir o caminho indicado pelas flores iluminadas. Percebeu que a viagem, grande parte da viagem, é acerca da vida, dessa eterna luta, e aprendeu a bater as asas com orgulho fazendo brilhar a escuridão.
A quarta chave, a da verdade, da indiferença ao prazer e à dor, foi adquirida por Hannibas ao recordar e reconhecer o lugar onde se abrigam todos os seus pesadelos. Essa chave foi difícil de alcançar pois o grande dragão negro vestiu-se de uma ferocidade nunca vista e atacou cobardemente o jovem príncipe. Atacou sem avisar e Hannibas deixou de saber qual o seu lugar neste mundo. Perdeu quase toda a esperança. Nesse dia não se escreveu nenhum poema, celebrou-se o futuro de todas as histórias e libertaram-se todos os filhos e todas as mulheres dos que foram mortos pelo dragão assassino.
A quinta chave, a da energia indómita, nasceu no seu coração quando, corajoso, levantou voo e abraçou inteira a madrugada. Desejou sentir-se miserável, despojado de títulos e riquezas, aprendeu a saltar de cume em cume e, mais importante, aprendeu a dominar definitivamente o dom ímpar de voar. As pedras fizeram-no grande. Os dias e as noites passaram a ser seus aliados. As pedras da mãe-montanha e a mãe-montanha passaram a ser suas aliadas. Todas as histórias e todos os poemas são seus aliados. Hannibas compreendeu a correcta dimensão do seu valor.
A sexta chave, a chave da porta dourada que leva até ao reino eterno da contemplação sem fim, nasceu no seu coração ao caminhar na companhia dos pássaros, peregrinos das nuvens. Com eles, Hannibas recordou a primeira palavra da primeira de todas as histórias. Um fogo intenso aqueceu-lhe o peito como nesse longínquo instante inicial. Foi um grão infinitésimo de energia que deu origem à escrita do primeiro dos poemas. Hannibas é agora a luz e a sabedoria que vive dentro desses peregrinos das nuvens. Hannibas sente, como ninguém, o poder revigorante das palavras da primeira história.
Restam as palavras.
Quando tudo se despedir, tal como as pedras, ficam as palavras.
Hannibas sabe o que procura e sempre soube como aqui chegou.
Escuta a vibração da montanha, a palpitação do coração de Wawaghan.
Escuta o coração de Zharkhanis ao som dos cânticos hipnóticos de Baharhvatin.
Volta a assumir o seu corpo azul escamado para assim percorrer o que resta do caminho. O vento continua a soprar forte e fustiga com violência estes cumes escarpados onde Hannibas parou para descansar.
O frio e a neve escondem tudo o que por aqui se encontra, mas são incapazes de cobrir a pequena árvore onde o jovem príncipe descansa e medita, mantendo-o protegido da tempestade.
A sétima chave ser-lhe-á entregue, no mosteiro, na presença do grande xamã Zharkhanis.
Provará saber viver e respirar em tudo o que vive.
Provará saber sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em si.
Voltará a responder à voz da lei austera e apontará, para sempre, o caminho, como estrela da tarde, à multidão de peregrinos perdidos que o aguardam e caminham pela escuridão.
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sábado, 18 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 36



18 de Fevereiro de 2012

Enquanto os escritores dão continuidade ao Benzerinagui, o salão começa a encolher. As paredes começam a aproximar-se muito lentamente. O tempo para decidir o vencedor desta última mesa vai-se esgotando. Nela todos se mantêm em grande efervescência criativa.
Sem vencedor declarado e com oito jogadores em disputa, os leitores das histórias dão a entender que o grande vencedor deste Benzerinagui poderá estar sentado nesta mesa. Uma improvável conjugação de factores colocou os mais criativos e aguerridos de todos os jogadores na mesma mesa de jogo. As histórias que criam amontoam-se em milhares de folhas até ao tecto, folhas onde se descrevem as mais fascinantes personagens que depois se envolvem nas mais complexas e brilhantes relações através de paisagens nunca antes reveladas. Este espectáculo grandioso criado à sua volta mantém estes extraordinários escritores tão compenetrados na sua arte que nenhum deles se apercebeu do movimento das paredes.
Em cada uma das holoesferas espalhadas pelos mais recônditos locais do universo acendeu-se, intermitente, a luz vermelha das escolhas. Para os espectadores leitores o tempo das decisões está perto do fim. Se não decidirem rapidamente, se ficarem reféns das histórias que acompanham, as paredes alcançarão os oito jogadores, destruirão as suas obras e também os criadores. A beleza de tudo o que criam pode ser o motivo primeiro da sua destruição. Na última mesa, naquela que receberá os três últimos antagonistas, está decidido quem transportará aos ombros a glória derradeira. Sem sobressaltos, através da forma costumada, dois dos competidores abdicarão das palavras e ajoelhar-se-ão perante o colega vencedor. A sua história ficará gravada a letras douradas na pedra mais valiosa da mãe-montanha onde se arquivará. O vencedor não mais será esquecido, as suas personagens e o herói da epopeia serão eternizados. As palavras do poema serão acrescentadas às palavras da primeira de todas as histórias ajudando-a a crescer, ajudando-a a viver para sempre no coração de todos os leitores, nos seus filhos, nos seus netos, nos seus bisnetos e nas dez seguintes gerações. Será mencionado pelas infinitas holoesferas do universo. A epopeia será traduzida, será reinventada, será ensaiada e muitos tentarão decifrar os mistérios escondidos em todas as suas dimensões. O escritor passará a ser tão conhecido como o nome do herói por ele glorificado. Viajará como ninguém, será recebido por todos como um verdadeiro rei. Hinos e sinfonias lhe serão dedicados e passará a fazer parte de muitas outras histórias.
Mas as paredes não abrandam o seu silencioso movimento. O salão ganha pequenez enquanto as palavras se acrescentam às que já nasceram sem que os jogadores percebam o perigo. Os leitores, esses, continuam absorvidos, encantados com os enredos que nascem nesta mesa e não abdicam desse prazer. Se nada se alterar nas próximas duas décadas as oito obras desaparecerão para todo o sempre juntamente com os seus oito escritores.
Hannibas voa como floco de neve no coração de Sheridan.
Aqui não existe guerra, só amor. A marca azul que protege os dois amantes e cristalizou o tempo está em perigo, como as palavras que contam esta história.
Este amor está em perigo, o império está em perigo e o futuro rei-serpente pode nem ter acontecido se as paredes que se movem no grande salão não forem paradas.
Este é um momento de incertezas. A própria existência desta história e de todos os escritores que comigo contam as histórias podem muito bem nunca ter acontecido.
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 35



15 de Fevereiro de 2012


Hannibas medita junto à pequena árvore que o protege como a grande cobra. O cofre de bronze terá de ser aberto rapidamente. O futuro rei-serpente tem de encontrar as chaves do cofre antes do final do dia que lhe resta. Tem de encontrar a gruta onde Zharkhanis se encontra, escutando o coração da montanha-mãe.
As palavras das histórias chegaram-lhe como sinais, disseram que a guerra foi evitada.
Nos campos de batalha, Larniki será sempre o seu maior aliado. O tio, mesmo desarmado e de mãos nuas, é mais forte do que todos os exércitos inimigos.
- Lamento que os meus irmãos tenham sucumbido à tentação. Tentaram derrubar-me, aniquilar-me e queriam destroçar a memória de meu nome. Traíram Larniki que jurou não tomar parte nas batalhas. Com eles tinha partilhado partes importantes da história e tudo tentei para que não cedessem à vil tentação do poder. Essa guerra absurda acabou por ser afastada. O tio tudo fez para a evitar pois essa sempre foi a minha intenção e agora, que sou poderoso, durmo, acordo e aguardo!
Larniki transportará o estandarte de Hannibas, será ele quem sempre o guiará e quem nas trevas o iluminará. Os seus irmãos ficaram cegos com os falsos conselhos e decidiram acreditar numa mentira envenenada que lhes foi servida como única solução. As lanças já vibravam afiadas e os deuses riam-se de escárnio dessa condição. Hannibas não podia recusar a contenda, não podia recusar aquilo que se escrevia sobre si pois esse é o seu destino.
- As minhas asas são as minhas armas, a minha pele azul escamada e brilhante é o meu escudo protector, o veneno invisível que no meu sangue ferve é um néctar fatal para quem o ousar provar. Aos meus irmãos fiz chegar uma última oferta de paz, mesmo sabendo que a morte habitava em seus corações. Preparavam-se para o combate. Acreditavam que a montanha se encarregaria de me derrotar para que pudessem desde já tomar o meu lugar. Mas tal não sucedeu. Mesmo cansado, esfomeado e abatido pela grande jornada, os seus aliados deixaram de sorrir. Os medos foram apagados, as chamas evitadas e uma glória imensa antecipou os cânticos que serão compostos para celebrar esta grandiosa façanha. Gorhagahrjani e Leónidas serão para sempre meus aliados. Os milhares de soldados e os seus generais, todos morrerão por mim pois li assim noutro poema! Argenta precisa da minha ajuda, a rainha minha mãe precisa de mim e eu preciso de silêncio, de tranquilidade e de quietude para poder escutar o ritmo divino de Wawaghan
Hannibas decifrou esse desfecho nas histórias arquivadas nas pedras de Wawaghan.

Sinais
Palavras de histórias
Chegaram
Enquanto medita

Enfrentou
Forças desiguais
Evitou
A guerra maldita

Lanças
Vibravam afiadas
Na batalha
Eram o destino

A morte
Viveu e habitou
Nos corações
Como um felino

Chamas
Glória imensa
Vitória
Grande façanha

Derrotados
Pelas palavras
Das pedras
Da mãe-montanha





17 de Fevereiro de 2012


A gélida madrugada chegou mais uma vez.
Hannibas permanece meditativo debaixo da jovem árvore que o abriga.
A escuridão cobre a montanha e a tempestade cobre de branco o corpo do príncipe.
A lua cheia está invisível, escondida por densas nuvens que bailam pelos picos escarpados de Wawaghan. O corpo azul escamado de Hannibas cintila como se estivesse no fundo da lagoa que assim o pintou.
- Sei o que procuro. Pequei, pequei, sempre soube como aqui cheguei! As histórias estão carregadas destes momentos e, contudo, mantive-me cego, surdo e mudo acerca desta evidência. Esta tempestade que me cobre não foi esculpida pelas meninas-princesa, não é um presente de Sheridan nem é um pensamento cruel dessa escritora perversa que se alimenta das histórias de outros. Esta tempestade foi esculpida por mim. Deixei os meus pensamentos à solta, deixei-os em liberdade e alguns entenderam lançar-me esta penitência. A pele brilha com intensidade, protege-me e indica-me o lugar onde as energias primitivas se encontram guardadas. Saahrvidan, ou melhor, o grande xamã Zharkhanis da Hglira real, espera por mim. O meu tio é o único ser vivo que sabe decifrar os segredos das lamas iniciais. A minha pele azul é igual à sua. As vibrações das minhas escamas protectoras e texturadas são da mesma frequência com que tudo foi criado nesse primeiro instante. Através delas comunicamos, recebo a palpitação do coração da mãe-montanha e as palavras do grande xamã Zharkhanis. Vejo com clareza debaixo deste gigantesco bloco de neve que me cobre. Sou um pequeno sinal gelado com asas. Sou um cristal de neve azulado que se eleva e deixa arrastar pelos ventos fortes da tempestade. Escuto as vozes da montanha, não escuto a história que o poeta me contou antes de adormecer mas recordo as suas palavras. Sou transportado como floco de neve pelos majestosos picos de Wawaghan ao som da melodia cantada pelo rei-escritor, essa maravilhosa canção com que hipnotizava os adversários. O cântico de Baharhvatin entretinha-os a dançar por décadas. Gostaria de continuar esta viagem pela sagrada cordilheira, soprado pela tempestade, ao som ímpar da balada, como pequeno cristal de neve. Já sei o que procuro. Pequei, pequei, pois sempre soube como aqui cheguei! Sou o anjo sem rosto que voa livre pelos brancos eternos da mãe-montanha. A minha história começou a ser gravada na pedra que a arquivará, passará séculos perdida na montanha com todas as outras histórias que a fizeram crescer. Lakis voa comigo na tempestade que criei, assim como Rakis e Zaffiris, como Armhiritan e Zarkhasthridis, como Vivinidis e Galkuhrdin. Neste voo em família perpetuam-se as histórias do reino, ensinam-se as regras e os regulamentos, entendem-se as cores de todos os sofrimentos e aprendemos a sorrir. Pequei, pequei, sempre soube como aqui cheguei!
A balada de Baharhvatin embala Hannibas através do seu reino de grutas. Sheridan habita nesse lugar sem tempo, habita nas tempestades ciclónicas que se entretém a esculpir na palma de sua mão. Sheridan espera por Hannibas nesse lugar remoto e camuflado onde habita, onde se entretém no seu passatempo predilecto, fazendo nascer universos inteiros, uns atrás de outros, com um sorriso juvenil desenhado no rosto. Por momentos os dois são como um só. Rodopiam num ritmo frenético, os universos inteiros rodopiam num ritmo frenético como continentes perdidos.
- A minha história é a nossa história! A minha viagem é a tua viagem e tem tudo o que necessita para ser feliz.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 34



13 de Fevereiro de 2012

Por vezes, muitas vezes, duvido se serei eu o autor desta epopeia. Não serás tu o autor deste poema? Depois acalmo e percebo que o que aqui se encontra escrito são palavras da minha autoria embora, confesso, muito do que aqui não se encontra foram pensamentos meus que se escaparam. Inventei estas personagens, todas, sem excepção, mesmo Hannibas. E são tantas as vezes em que escuto as suas palavras, perguntando-me:
- Qual de nós inventa o outro? És tu quem me inventa ou sou eu, Hannibas, quem te faz acontecer? Talvez isso não importe. Mais importante é eu ter vindo até aqui para te encontrar. Se tu és, como dizes, aquele que escreve e quem faz acontecer esta viagem, se tu és quem dizes ser e se tens esse poder, então necessito da tua ajuda.
Perante estas palavras do futuro rei-serpente, respondi-lhe de imediato:
- Tu sabes que as coisas não acontecem exactamente dessa forma. Nenhum caminho se encontra desenhado, nenhum destino se encontra já esculpido ou deliberado.
E o jovem príncipe voltou a fazer escutar a sua voz:
- Os dias da minha juventude passaram velozes e alegres. Sinto-me preparado para provar os néctares mais doces desta nova etapa, sem pressas, pois sei que os cabelos ficarão brancos mais cedo do que imagino. Aprendi a dormir, aprendi a acordar e aprendi a saber esperar. Tu sabes o que está para acontecer pois, como afirmas, és o autor deste poema. Necessito da tua ajuda para me contares as partes mais importantes da minha história.
A mesma melodia, estranha melodia, cantada pelo meu outro eu, volta a escutar-se no salão.
- Posso dizer-te que visitarás brevemente a corte das meninas princesas, esse lugar secreto onde se dedicam à sábia tarefa de esculpir ciclones. As importantes esculturas que lhes saem das mãos são vitais para a continuação da tua história, desta história e de todas as histórias. Estão escondidas, disfarçadas, e o rei seu pai gosta que assim se perpetuem para que nada altere o rigoroso equilíbrio de tudo aquilo que constroem. Também ele foi um escritor, sentava-se às mesas de jogo, camuflado, e assim jogava cada letra e cada palavra com profunda sabedoria. Manipulava silenciosamente os seus enredos tendo como único objectivo a vitória final. Aprendeu a ser escritor observando e lendo todas as histórias dos anteriores Benzerinaguis. Aperfeiçoou a sua arte como se fosse uma ciência exacta e dava-lhe expressão como ninguém. Se hoje participasse nos torneios ninguém seria capaz de o derrotar.
Hannibas parou, tentou entender o que lhe contei. Após reflectir por breves instantes continuou a fazer-se escutar na minha cabeça.
- Se for assim, como dizes, nada faz grande sentido. Se assim for, não estarás a mentir quando afirmas ser tu o autor de tudo aquilo que aqui foi escrito? E qual é o nome desse sábio rei-escritor? – perguntou Hannibas.
- Chamavam-lhe Baharhvatin, o grande cozinheiro das palavras, maravilhoso mestre dos enredos. Era quase tão perfeito nas histórias que inventava como o bisavô de todos os tempos.
O valoroso príncipe pareceu satisfeito com estas informações e sentou-se por momentos para descansar.
- Tenho fome e sinto-me cansado, um cansaço diferente dos outros que antes me invadiram. Vou aproveitar esta pequena árvore para meditar.
O futuro rei-serpente descansa da sua longa e extenuante caminhada e pede-me para que lhe conte mais histórias desse famoso rei-escritor antes de adormecer. Acedi prontamente ao seu pedido.
- Baharhvatin, esse mago das palavras, enquanto escrevia, encantava os seus adversários com uma melodia, a mesma deliciosa melodia que usava para ensinar e fazer adormecer as suas meninas-princesas. Essa música que cantava envolvia os participantes dos Benzerinaguis de tal forma que todos, sem excepção, começavam a dançar pelos espaços do salão, sozinhos, aos pares e até em grupos mais alargados. Baharhvatin cantava enquanto escrevia as mágicas palavras. Os seus adversários dançavam e distraíam-se, passavam décadas inteiras a bailar as suas melodias encantadas e assim o rei-escritor criava mais enredos e mais personagens do que todos os outros. Tsu-Lee-Khan, mestre oficial de todos os Benzerinaguis, apareceu no salão vestido com os trajes cerimoniosos e observou o bailado que ali acontecia. Era impossível o mestre governar o grande jogo das palavras se Baharhhvatin continuasse a utilizar as hipnóticas melodias para benefício próprio. O rei-escritor sabia qual o castigo para quem utilizasse meios impróprios para tentar alcançar a vitória no torneio. Mas as histórias de Baharhvatin continham misteriosos poderes capazes de perturbar o juízo e a razão ao próprio mestre Tsu-Lee-Khan. Ele ficava furioso quando isso acontecia mas não podia dar a conhecer ao rei-escritor esse seu lado mais cinzento. Precisava do regresso do silêncio para sua tranquilidade. Sem ele não podia continuar a arbitrar a prova com a seriedade necessária. Foi por isso que, numa rara ocasião, Tsu-Lee-Khan apelou ao bom-senso de Baharhvatin pedindo-lhe que parasse de cantar a maravilhosa canção. O rei-escritor disse que só o faria quando considerasse oportuno. Pediu mais tempo a Tsu-Lee-Khan para o seu momento musical e ofereceu-lhe muito ouro, folhas de chá e raros temperos para o precioso ritual do Kalatziki, isto para além de outras raras especiarias perfumadas que só se cultivam nas grutas mais profundas do seu reino. Após lhe ter oferecido esse vasto tesouro, Baharhvatin perguntou qual o motivo porque o grande mestre nunca participara em nenhum Benzerinagui. Seria por recear a derrota ou, pior ainda, seria por ter receio da vitória final? Tsu-Lee-Khan respondeu-lhe que não podia participar como jogador. Se isso acontecesse venceria todas as batalhas pois seria juíz em causa própria e o jogo estaria ferido de grande irregularidade. Ele nunca poderia ocupar o lugar de jogador assim como o seu lugar de mestre não poderia ser ocupado por um outro que não ele. Estas respostas aborreceram o rei-escritor. Sentia-se algo cansado pois ele sabia de todos os odores, de todos os sabores, de todas as cores e quais os sentidos de todas as histórias. Preferia ser ele a abandonar, por vontade própria, o jogo das palavras. Baharhvatin usava os seus poderes para antecipar as vitórias, usava-os porque essa era a sua vontade e afirmava que Tsu-Lee-Khan era um seu servo, mais uma de tantas personagens que criara para lhe fazer companhia nessa solitária existência. Mas aquilo que verdadeiramente o fez cantar nesse ímpar Benzerinagui foi o facto de ter encontrado, pela primeira vez numa mesa de jogo, um adversário que o conseguiu seduzir pela grandiosidade das suas palavras. Esse foi o motivo real que fez com que Baharhvatin cantasse daquela maneira. O rei-escritor pediu a Tsu-Lee-Khan que lhe trouxesse de volta à mesa o notável adversário. Prometeu-lhe que mal o agarrasse pelo braço, a sua voz deixaria de se escutar e o jogo poderia recomeçar. O mestre acedeu ao pedido do rei-escritor e Baharhvatin entregou-lhe um saco carregado de esmeraldas como prova de apreço. Disse-lhe ainda que as outras riquezas já prometidas seriam depositadas à porta da sua morada mal nascesse um novo dia. Tsu-Lee-Khan avançou pelo salão até ao grupo de bailarinos onde bailava o jogador que tanto seduzira o rei-escritor. Com perícia felina, o mestre agarrou-o pelo braço e imediatamente a melodia deixou de se escutar. Os jogadores pararam de dançar e olharam-se espantados. Não percebiam o que lhes tinha acontecido mas regressaram com rapidez aos seus lugares nas mesas de jogo. O grande mestre Tsu-Lee-Khan bateu palmas e deu ordens para que se reiniciasse esse importantíssimo Benzerinagui.
Por esta altura Hannibas já se encontrava adormecido junto à pequena árvore que encontrou no seu caminho. Por esta altura cresce ainda mais em mim a imagem corajosa do espantoso futuro rei-serpente. Juntos aguardamos o destino das palavras que lhe dedicarei.
Por vezes, muitas vezes, duvido se serei eu o verdadeiro autor desta epopeia. Depois acalmo e percebo que estes momentos surgem ciclicamente na cabeça de todos os jogadores e eu, naturalmente, não sou nenhuma excepção.
O mestre bateu as palmas, eu coloco as mãos nos olhos e, ao retirá-las, olho para o rectângulo laranja onde o adjectivo já se encontra nitidamente desenhado.
Pintado com as cores brilhantes da lua está desenhada, no laranja, a palavra eterno. Esse é o adjectivo decifrado que o meu herói terá de fazer cumprir.

Serei eu o autor desta epopeia
Não será tu o autor deste poema?

Inventei personagens
Todas
Sem excepção

Escuto-lhe as palavras
Mesmo as de Hannibas
Que tantas dúvidas me traz

Ajudá-lo-ei
No caminho
Para além da alegre juventude
Essa nova etapa

Contar-lhe-ei o que está para acontecer
Partes importantes da história
As necessárias
Para o acalmar

Do que lhe digo, duvida
Quer saber mais sobre o rei-escritor
Enquanto descansa e medita
Antes de adormecer

Inventei Baharhvatin
Que me inventou a mim
Acalmei
Percebi que não sou excepção
Serei o autor desta epopeia
Não serás tu o autor deste poema?

Hannibas adormeceu
No seu caminho
Nessa nova etapa

No laranja
Pintado com as brilhantes cores da lua
Surgiu a palavra eterno
Adjectivo destinado
Que o herói terá de fazer cumprir.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 33




10 de Fevereiro de 2012

Escrever.
As histórias desta mesa são as mais lidas e as mais visionadas em todas as holoesferas. Os jogadores continuam tão activos agora como no início, logo após a entrega dos envelopes. O rectângulo laranja, último dos seis rectângulos que ainda se encontra no interior do primeiro dos três envelopes abertos, guarda o adjectivo, guarda a palavra que acompanhará o herói nesta fase da jornada. As cores com que se escrevem as letras da palavra são diferentes para cada jogador, mas a cor do cartão, essa é sempre laranja.
Ao meu lado o outro eu mais experiente não dá sinais de cansaço, não olha para mim e continua a escrever sem vacilar. Não olha para mim mas sabe que o meu pensamento é sobre ele, é sobre mim, pois somos o mesmo mas diferentes em idade e em memórias. Estive convencido, até há bem pouco tempo, que esta era apenas uma mentira sem razão de existir. Até há bem pouco tempo não acreditei nesta evidência, apesar da segurança que a situação me transmitia. Até há bem pouco tempo conseguimos manter em segredo esta vantagem, guardada dos outros escritores deste Benzerinagui.
Após a saída de uma das gémeas e do jogador do topo oeste da mesa, sinto que a situação se alterou. Um olhar acusador, felino, carregado de ódio é lançado pela gémea Öllin. Indica que este segredo pode ter sido decifrado pela hábil escritora que já não pode invocar Benzerinagui, não depois de já o ter realizado sem que as poeiras do esquecimento as tivessem para todo o sempre destruído. Esse é um segredo que só nós três partilhamos. Estamos enredados numa teia de interesses que não podemos destruir, caso contrário o grande mestre Tsu-Lee-Khan acabaria imediatamente com as nossas vidas e este Benzerinagui não mais seria nosso.
O meu outro eu olha finalmente para mim, e eu para ele, e o seu rosto deixa transparecer uma ansiedade deveras preocupante. Regressa com o olhar na direcção das palavras que compôs, ergue algumas das milhares de folhas manuscritas, lê para si palavras estranhas usando sons indecifráveis, franzindo a testa enrugada, marcando ainda mais a expressão com linhas ondulantes que lhe ligam as têmporas.
Fico zonzo, sinto uma tontura que me turva a visão por instantes.
Vejo a cor laranja do rectângulo muito desfocada. Não consigo ler a palavra que nele repousa, não consigo porque as letras saltitam no laranja, para cima e para baixo, ondulam, caem e levantam-se, bailam desgovernadas enquanto a minha voz mais velha continua a cantar as estranhas notas da partitura criada pelo outro eu. Todos parecem olhar para mim, fitam-me enquanto o cântico cresce de volume tornando mais denso o ar deste salão.
Perco a noção do tempo, a noção do espaço, a noção dos odores, das luzes e do que escrevi até hoje. Perco a noção de quem sou e do que faço aqui sentado. Deixo de respirar quando este som agudo explode dentro dos meus ouvidos, intenso, cruel, doloroso como a lâmina mais fina do mais afiado punhal.
Este homem que canta não me ajuda, olha para mim enquanto canta com um olhar vazio e distante, meio ausente. Castiga-me com o timbre agudo da sua voz, maltrata-me ao gritar bem alto o tema indecifrável dessa canção. Subitamente pára de cantar, tão de repente como tinha começado.
Preferia que nada disto tivesse acontecido. A sua cantiga acabou substituída pelo pavoroso som das gargalhadas histéricas da gémea escritora.
Um dragão branco, gigantesco, engoliu de uma só vez estes ruídos.
O cantor idoso voltou-se para o outro lado da mesa como se a culpa destes acontecimentos não tivesse sido sua.
O dragão branco, tão branco que parece transparente, deixou-me assim descansar.
Respiro novamente.
Respiro novamente mas com maior dificuldade.
Olho para os outros adversários. É como se não os conhecesse.
Dois conversam.
Dois revêem extensos manuscritos.
Um medita.
Um escreve.
Esse que escreve é o idoso que se aninha ao meu lado.
Uma escritora olha para mim com um olhar acusador, felino, carregado de ódio. Que mal lhe terei feito para olhar assim para mim? Envio um sorriso como sinal de paz, como prova da minha boa vontade.
Que mal lhe terei feito para que continue a olhar assim para mim?
Montanhas de folhas manuscritas quase tapam os rostos das pessoas que se encontram sentadas a esta mesa.
Os seus rostos são sérios e os sorrisos ausentes.
O meu companheiro volta a entoar este estranho cântico, esta estranha ladainha que adensa a atmosfera do salão.
O dragão branco, gigantesco, é agora bem pequeno e quase invisível. Desceu até ao pequeno rectângulo laranja que se encontra no centro do meu amontoado de papéis. Dança nesse tapete ao som da estranha melodia. Dança e o seu corpo parece contorcer-se em forma de letras, parece querer formar dessa maneira uma palavra, parece tão sereno e melancólico como serena e melancólica é agora a melodia que invade o salão.
Silêncio.
A balada não é mais cantada.
O dragão invisível formou com o seu corpo uma palavra no rectângulo laranja.
Essa palavra é um adjectivo.
Essa palavra será usada para que a viagem prossiga, para que eu possa recordar, para que eu possa voltar a escrever.
Voltei a ver com clareza todas as coisas. Recuperei a visão que momentaneamente perdi com esta estranha névoa que me invadiu.
Tenho à minha frente a última palavra, a última palavra do último cartão colorido do primeiro de três envelopes entregues.
Chegou finalmente o momento de a decifrar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 32




7 de Fevereiro de 2012

Acorda com o sol que toca no planalto.
Acorda para repousares entre as asas da grande ave.
Cavalga na ave da vida, sê a ave da vida pois só assim poderás saber.
Abandona essa outra vida, Hannibas, abandona-a se queres viver, abandona-a para poderes pisar os ventos por cima das ondas, para poderes caminhar nesse caminho, para poderes, tu próprio, transformar-te nesse caminho.
Auxilia a natureza, não desejes nada, trabalha com ela e ela te reconhecerá como um dos seus criadores, passará a ser tua aliada. Ela te auxiliará a fundires os teus sentidos num só. Tens de apagar todas as memórias, não te prenderes ao que já passou senão estarás perdido.
Tens de ser corajoso, tens de saber escutar para poderes ver, saber ver sem ter de ouvir, saber cheirar e gostar, sem ver, sem escutar, sem cheirar, saber como fundir todos os sentidos tornando-os num quinto sentido, no tacto interior que te eleva.
Encontrar-te-ás e voltarás a entender o local onde te encontras, voltarás a fazer parte das primeiras lamas iniciais de onde tudo se criou.
Serás de novo o fogo, a pequena chama que o faz vibrar, serás o oceano, a pequena gota que o fez crescer, será a luz que tudo ilumina e aquece, a pequena centelha de energia que a faz brilhar, serás o conquistador, o libertador e a verdade, serás o grande rei serpente do império de Chover.
Hannibas, vê!
És agora a luz, o som e o mestre que desejavas. Tu és a história que aqui vieste procurar, és a eternidade de todos os caminhos, és a pedra onde se arquiva a primeira história, és o primeiro escritor, vencedor de todos os Benzerinaguis iniciais, isentos de tristezas, carregados de paixão.
A tua luz reflecte-se, agora, nas águas tranquilas das lagoas.
A luz da lua reflecte-se, agora, nas águas tranquilas das lagoas.
A tua mente reflecte-se, agora, nos espelhos que são as águas tranquilas das lagoas.
Não deixes de amar todas as coisas, não deixes de pregar, de ensinar todas as histórias e até a primeira, em todas as montanhas, em todas as planícies, pelas tribos dos desertos, pelas vilas, aldeias e cidades do império, a todos os homens, a todos os que vivem, a todos os que viverão.
Aponta o caminho, como a estrela da tarde, à multidão de peregrinos perdidos que caminham pela escuridão.
Voltarás, gota, ao lugar de onde vieste, e por esse caminho encontrarás os estádios para todas as mudanças e conhecerás a verdadeira, absoluta felicidade, a verdadeira, absoluta pureza.
Esta viagem tornou-te lúcido e já não és prisioneiro de pensamentos ilusórios, esta viagem foi escolha tua pois ansiavas por sabedoria. Prepara-te, pois o resto do percurso terá de ser percorrido sozinho, e os teus servos já estão prontos para que os guies. Ondularás arduamente pela montanha acima, serás três vezes grande ao atingires o píncaro altíssimo de Wawaghan. Aí encontrarás o cofre de bronze guardado pelo grande xamã Zharkhanis. Sete são as chaves que terás de descobrir para poderes aceder ao que se esconde no seu interior.
A chave da caridade e do amor imortal, a chave da harmonia, a chave da suave paciência, a chave da verdade que te manterá indiferente ao prazer e à dor, a chave da energia indómita que te dará a vitória sobre todas as mentiras, a chave da porta dourada que te levará ao reino eterno da contemplação sem fim, e a chave da liberdade divina, aquela que fará de ti um homem livre, um homem que saberá viver e respirar em tudo o que vive, sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em ti. Terás, ainda, mais uma vez, de voltar a responder à voz da lei austera.


8 de Fevereiro de 2012

- Preciso que me faças um pequeno grande favor, Hannibas! Protege a minha memória, as minhas ideias como se fossem as tuas. Não desfaleças. Fico confortável na tua companhia meu filho. Tenho medo! Fica mais um pouco até que a morte nos separe e tu sigas viagem pelo caminho que nos resta. Os soldados regressarão, vitoriosos, à revigorada capital do reino. Uma coragem como nunca antes existiu levou-os até à vitória final. Pelas ruas e grandes avenidas de Chover nunca se repetirão festejos tão grandiosos. A mentira trouxe de volta a dor a estas salas que ficaram tão vazias.
Argenta procura, em vão, por um passado que já não volta. Enquanto dormia, imaginou esta conversa que ficou por acontecer, palavras que nunca foram ditas, verdades que foram transformadas em falsidades, em mentiras, tudo para bem da grandeza do império. Em Althydhis, rapidamente esqueceram Argenta, esqueceram as suas palavras mentirosas, as suas falhas e os seus silêncios, esqueceram as invejas e a forma egoísta como cresceu. Enquanto dormia recordou esses dias passados em que foi princesa, e recordou os tormentos que causou à sua irmã mais velha, as falsidades perversas que construiu à volta dela. Teias de falsidades que a sufocam desde então, que a atormentam e isolam, que a impediram de avançar.
- Vou morrer, como Lakis, mas tenho de fazer tudo aquilo que falta até ao regresso de Hannibas. Enviei os meus filhos mais velhos até à longínqua Wawaghan, enviei Hannibas, salvei-o desde este leito em que caí e repouso. Implacavelmente a morte avança sobre mim, honestamente. Inventei este poema porque o império se desmoronou em frente de meus olhos como nenhum outro. Restava-me apenas o poder da palavra, da invenção. Mesmo assim, com elas não fui capaz de curar os males passados que para sempre se encontram esquecidos nas terras de meus pais. Althydhis quis esquecer-me. Não mais vi a quem tanto mal causei. A bondade surgiu-me agora, feliz e tardia como nunca, como esta doença que me invadiu o corpo e me estagnou a alma. A espuma das brancas ondas do Centaurydhis chama por mim. A solidão é a derradeira companheira, ela me aliviará o peito amargurado. Resta-me a palavra que, como uma pedra, corajosamente, aqui venho depositar. O meu filho peregrino sobe ao píncaro altíssimo de Wawaghan. O mar encontra-se anormalmente tranquilo enquanto chama por mim. Vou morrer, como meu esposo Lakis, com grinaldas de flores da montanha acabadas de colher pelas tribos de Ighrik. É a tua vida e a minha que se encontram em jogo, a minha vida de onde saiu a tua, que é minha vida também. Voa bem alto Hannibas, meu querido filho, meu belo príncipe, meu amor. Quando abrires a última das sete fechaduras do cofre sagrado, nada mais ficará por alcançar.
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