1 de Janeiro de 2011
O acordo chegou ao fim. Hannibas está assustado e já sabe voar. O sangue
sujou-lhe as mãos. Está esfomeado e ainda falta tanto caminho para percorrer. A
jornada será dura. O futuro rei serpente terá de saber seguir os seguidores,
terá de se colocar na mesma fila daqueles que lhes seguem as pegadas até que
ele próprio alcance o estatuto de guia, até que se transforme no primeiro de
todos esses guias. Não tem alternativa, terá de encontrar o caminho, seguir em
frente, arranjar forças para se afastar da escuridão e das sombras. Os irmãos
acompanham-no nesta fase da jornada. Hannibas, Gorhagahrjani e Leónidas
seguirão juntos, crescerão juntos, aprenderão juntos como ser heróis e darão
tudo por tudo pela glória do império de Chover.
Contrariamente aos futuros guias, não mentirão pois terão de ser, entre
todos, os mais verdadeiros seres do universo. Terão de vencer todos os perigos,
todas as tempestades, atravessar todos os desertos e enfrentar todas as chamas
para alcançarem os locais onde se arquivam todas as histórias. Saberão o
que pretendem e qual o destino a seguir. viajarão durante séculos através
dos mais altos cumes de Wawaghan até descobrirem as luzes de todas as histórias
e de todas as pedras que as arquivam para que tudo possa, então, rejuvenescer.
Depois de ultrapassado esse desafio, seguirão sozinhos a viagem. Ensinarão
tudo o que aprenderam a quem os resolver acompanhar e ensinarão as palavras e
as lições de todas as histórias. Só assim passarão a entender verdadeiramente o
significado desta importante viagem.
O mundo do lado de fora de todas as habitações passará a ser forte, alegre.
Em todos os relvados crescerá o mais esplendoroso dos jardins. Muros serão
derrubados, as escuras vidraças serão quebradas, as portas e as janelas
abrir-se-ão de par em par e os rostos iluminar-se-ão em rasgados sorrisos de
alegria.
Parece-lhe irreal este destino. Hannibas não consegue deixar de olhar para
as mãos azuis sujas de sangue e imaginar que este destino lhe tem andado a
mentir. Não se sente como ele neste jogo e duvida da facilidade com que
conseguiu derrotar o grande dragão negro. Nunca antes se sentira assim tão
vivo. Parece ansioso por recuperar o tempo perdido mas gostava que as suas mãos
estivessem limpas. Não consegue parar e não sabe se essa é a sua vontade.
Ignora a presença dos irmãos que o acompanham. Esta noite não é acerca dos seus
feitos mas de tudo aquilo que eles representam. Escutou e reconheceu a voz de
Argenta, a rainha sua mãe, muito distante, dando-lhe conselhos. As únicas
sombras que o seguem, neste momento, são as dos irmãos Gorhagahrjani e Leónidas,
príncipes de Chover.
- Que sentido faz fugir dos próprios irmãos que me acompanham? Sinto-me
bem, tão bem como nunca antes me senti. Num momento caminhamos, noutro, estamos
sentados à chuva perante o abismo que criámos. E no meio desta viagem terei de
encontrar o amor, de preferência na manhã de um esplendoroso dia. Fazer com que
isso aconteça e impedir que, ao acontecer, desapareça. Sem mentiras, sem
palavras, só com o corpo a dançar, a voar e a planar por cima da mãe montanha.
Nunca pensei poder sentir-me como agora, ser capaz de poder abraçar a própria
Wawaghan. E fugir para quê? Fugir de quê se fui capaz de derrotar a própria
besta sanguinária? Quero abraçar a madrugada e voar escondido, abrigado na sua
escuridão. Por tantas razões sem sentido desejo sobrevoar Wawaghan de
madrugada, vezes e vezes sem conta, sentir-me miserável, despojado de títulos e
de riquezas até que a porta se abra e a surpresa aconteça. Saltar e esperar
poder voar pois caso contrário cairei como as pedras que contêm as histórias e
Wawaghan voltará a ser o que já foi antes de tudo ter acontecido.
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