27
de Dezembro de 2011
As pedras de Dezembro resolveram fazer parar o tempo.
Nenhuma história cresce, nenhum guerreiro protege o
seu monarca, nenhum reino se transforma, nenhuma cor é alterada por nenhuma luz
e nenhuma montanha avança em direcção aos céus. Em todos os lugares do universo
deixou de existir o tempo, esse profeta que permitiu que o próprio universo
fosse construído.
Dessa primeira história se recordam aqui, no fundo
desta lagoa, os momentos iniciais onde foram criadas todas as lamas.
Dessa primeira história se recorda aqui, no fundo
desta lagoa, a construção do tempo, pedaço de lama suja retirado dessa primeira
criação.
Dessa primeira história se recorda aqui, no fundo
desta lagoa, que o tempo surgiu para fazer dançar tudo o que dessas lamas fosse
construído.
O poder da marca azul toma conta do corpo jovem de
Hannibas. Ele, como todas as histórias, como o tempo, como o imenso vazio que
tudo une e separa, é parte dessa lama inicial. O futuro rei serpente
encontra-se do lado de fora de todas as coisas e nele está arquivada a ilusão
de todas as existências, como nesse grão infinitésimo de unidade que foi
destruído para dele se retirar a primeira palavra de todas as histórias.
A luz azul intensa arde no seu interior como se de
uma pedra se tratasse e Hannibas transforma-se no descendente do bisavô de
todos os tempos. Renasce sábio e asceta como nenhuma outra entidade. Coloca-se
do lado de fora da lagoa e absorve, de um só trago, toda a energia do universo.
E tal como sucedeu com o bisavô de todos os tempos, a razão para todas as
inexistências é derrotada e o fluxo do tempo pode, novamente, retomar o seu
caminho. Hannibas voa, sem asas, no seu novo infinito iluminado, cavalga nessa
infinitésima partícula de energia que o transformou. Cada uma das histórias
escritas nos primeiros mil Benzerinaguis está agora gravada em si.
Hannibas conhece todos os silêncios e conhece os
símbolos de que esses silêncios se alimentam.
Hannibas conhece todas as viagens necessárias para
cultivar esses silêncios.
Hannibas conhece todos os espaços ocos descritos nas
primeiras duzentas e oitenta mil histórias.
Hannibas conhece todos os ruídos e conhece todas as
viagens necessárias para que todos os ruídos se pudessem cultivar.
Hannibas conhece todas as misteriosas entidades
subterrâneas que o bisavô de todos os tempos baptizou de universos.
Hannibas escuta a primeira de todas as músicas.
Hannibas assiste ao nascimento de todas as histórias
perpetuadas pelo bisavô de todos os tempos depois desta audição.
Hannibas sorri, chora, viaja, morre e renasce com
cada um desses poemas até atingir a dimensão infinita da eternidade.
Hannibas alimenta-se de todas estas luminosas
paisagens de energia permanecendo leve, tão leve e tão etéreo como o peso das
primeiras lamas criadoras.
Hannibas reconhece Larniki, reconhece o tio ao
caminhar ao longo da dimensão iluminada onde a primeira de todas as histórias
se contou.
Hannibas compreende que Larniki é essa primeira
dimensão iluminada onde a primeira de todas as histórias se contou.
Larniki é aquele onde se escreveram as primeiras
histórias, onde aconteceram os primeiros tempos, os primeiros sonhos dos
primeiros heróis. Por isso ele entende, como ninguém, a raiz de todos os
sofrimentos, as cores de todas as esperanças e os ciclos de todos os elementos.
Hannibas abre os olhos neste momento. À sua frente
encontra-se Larniki, tão azul e iluminado como o futuro rei serpente. Nas mãos
do seu tio estão depositadas umas enormes asas de um branco imaculado. O
conselheiro real entrega as asas a Hannibas, conforme as recebeu das mãos
apaixonadas da menina princesa, para que as histórias e os momentos se possam
perpetuar tal como foram inicialmente concebidos pela imaginação prodigiosa do
bisavô de todos os tempos.
O infinito passou a ser o aqui e o agora, nunca o
amanhã.
A estrutura deste Benzerinagui volta a embrulhar os
participantes num manto morno, vermelho, tranquilo e protector.
Hannibas encontra-se do lado de fora da lagoa, junto
à sua margem, desnudado, com as asas brancas e invisíveis abertas nas costas.
As flores que desabrucharam após a chuva de pétalas
azuis, indicam o caminho ao futuro rei serpente.
Milhares de lagoas e lagos iluminam-se uma última
vez, transformando a nascente do Marthiris numa gloriosa fonte de galáxias que
descem, gloriosas, até ao seu leito, espelho do firmamento.
Hannibas voa baixo, atravessa o rio uma dezena de
vezes. Aprecia como nunca o calor que lhe aconchega o peito, o abdómen e as
coxas. Esta é mais uma noite em que o milagre do poder azul voltou a ser
utilizado. Hannibas reconheceu todas as formas de voar e voa livremente, sem
procurar seguir o caminho indicado pelas flores iluminadas.
Tal como Larniki, o futuro rei serpente percebe que
esta jornada é acerca da vida e das suas lutas.
Grande parte dela será passada na procura do rumo certo
sem que nada ou alguém possa toldar esse horizonte.
No princípio era a viagem
A tensão da primeira etapa
Depois do conhecimento
Depois do peso das pedras
Das feridas
O azul volta a marcar o início
Faz recuar a ansiedade
Estar aqui e agora
Neste momento
É a inspiração
Para alcançar essa meta
Lembrar para sempre
Prosseguir
Fazer brilhar a escuridão
Batendo as asas
Com orgulho
Sobrevoar o Marthiris
Iluminado
Neste momento
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