terça-feira, 29 de novembro de 2011

MOMENTOS DOIS - 17


29 de Novembro de 2011


A primeira palavra da primeira de todas as pedras encontra-se escondida algures na vasta cordilheira de Wawaghan.

Larniki sabe, porque já foi a folha em branco onde a primeira história se escreveu, como se alcança o pico sagrado que esconde esse poema.

Do nada se resolveu criar um tempo e um espaço onde as primeiras lamas se formaram. Dessas lamas se moldou toda a existência e todos os tempos paralelos que coexistem com o primeiro que assim foi determinado. Dessas lamas se considerou a criação de todas as distâncias e de todos os limites, daquilo que é dentro e do que se encontra do lado de fora de todas as coisas.

Deu-se ordem para esculpir tudo o que é invisível.

Iniciou-se o trabalho dando origem a todas as insignificantes dimensões e às mais incomensuráveis amplitudes, a tudo aquilo que não se entende e se questiona criando-se a ilusão de todas as existências.

Nada do que acontece poderá ser antecipado, nado do que aconteceu pode ser modificado e nada do que acontecerá se encontra escrito em alguma das pedras geradas por essas primeiras lamas de onde tudo se criou.

O mágico tapete começou a ser bordado sem tear ou artesão.

Muitas energias fluíram dessas lamas iniciais. Os sentimentos e as forças contidas em todos os bens e em todos os males. Os vazios que colam no éter as maiores de todas as pedras. Do nada tudo acabou por ser retirado passando a fazer parte do lado de fora dessa entidade inicial. E também esse grão infinitésimo de unidade foi destruído para dele ser retirado o interior e dar início à escrita do primeiro de todos os poemas. A primeira palavra da primeira de todas as histórias ia, finalmente, ser escrita na mais afastada e inóspita das regiões.

Um fogo intenso ardeu no interior desse grão invisível, dessa pedra gerada no coração das lamas iniciais. Desse lume se cozinhou o bisavô de todos os tempos.

Nasceu sábio e asceta como mais nenhuma entidade. Colocou-se imediatamente do lado de fora desse pequeno grão absorvendo, de um só trago, toda a energia.

As escuridões de todos os vazios desapareceram, grandes clarões foram concebidos por esse súbito desequilíbrio causado pelo bisavô de todos os tempos. Ficou desregulado tudo aquilo que não tinha acontecido.

A razão para todas as inexistências foi finalmente derrotada. O fluxo gerado por essa instabilidade fez com que tudo, finalmente, pudesse ter o seu início.

E tudo aconteceu ao sabor das ideias desse primeiro jogador. Voando no infinito iluminado, cavalgando nessa infinitésima partícula de energia que o gerou, o bisavô de todos os tempos tornou-se o primeiro dos jogadores. De pena na mão, a uma velocidade assombrosa, escreveu todas as histórias dos primeiros mil Benzerinaguis. Cada uma dessas histórias ficou gravada nas luminosas paisagens de energia por onde viajou. Descreveu todos os silêncios, todos os símbolos de que esses silêncios se alimentaram e todas as viagens realizadas para os cultivar. O longo tempo em que escreveu as primeiras duzentas e oitenta mil histórias deu origem aos espaços ocos onde os silêncios habitam.

Quinhentos milhões de anos-luz depois o bisavô de todos os tempos ocupou-se da descrição de todos os ruídos e de todas as viagens realizadas para os cultivar. Esse longo tempo em que escreveu essas mais de cinquenta mil histórias deu origem a todas as misteriosas entidades subterrâneas que ele próprio baptizou de universos.

E a música aconteceu, surgiu milagrosa do seio da mais perfeita das histórias que o bisavô escreveu acerca de estranhos ruídos que ecoavam em corpos transparentes, tecidos com a mais fina das linhas sagradas do mágico tapete celestial.

E da música primeira que se escutou, nasceram as restantes histórias que o bisavô se encarregou de perpetuar desde esse momento até ao instante em que as forças lhe deram ordens para descansar. O bisavô já não as considerava como suas pois esses misteriosos sons passaram a comunicar-lhe todas as palavras das histórias.

Foram por ele descritos todos os poemas, todas as lágrimas e todos os sorrisos de que se alimentaram e todas as viagens que foram realizadas para os cultivar.

Durante esses primeiros mil Benzerinaguis, as luminosas paisagens de energia cresceram e atingiram proporções infinitas, eternas e indestrutíveis, apesar de permanecerem misteriosamente leves, tão leves como o peso das primeiras lamas criadoras.

Educadamente, o bisavô de todos os tempos decidiu descansar após concluir a última das histórias do seu milésimo Benzerinagui. Pediu ajuda à infinitésima partícula de energia que o gerou para que as personagens, os espaços e os tempos de todas essas histórias pudessem ganhar vida própria.

E assim acabou por acontecer, numa explosão majestosa. Todas as histórias se espalharam ao longo da dimensão iluminada por onde tinham viajado.

Larniki foi essa dimensão iluminada onde a primeira de todas as histórias se contou. Nasceu da inspiração do bisavô de todos os tempos, nasceu da necessidade que esse artífice sentiu em criar todas as histórias e até a primeira.

Larniki foi aquele onde foram escritas as primeiras histórias, como se de uma pedra se tratasse. Ele foi onde os primeiros tempos, os primeiros sonhos e os primeiros heróis ficaram arquivados. Ele passou a ser parte desses tempos, parte desses sonhos e ganhou as dimensões de todos esses primeiros heróis. Entendeu as raízes de todos os sofrimentos, as cores de todas as esperanças e os ciclos de todos os elementos. Escolheu, com perícia, as pedras mais sagradas e foi construindo, ao longo de muitos milhares de anos-luz, todas as montanhas de todas as pedras luminosas que saíram da pena do bisavô de todos os tempos.

Esses universos receberam as pedras onde se esconderam as palavras dos primeiros mil Benzerinaguis. Serão necessárias as vidas de outras tantas personagens para se entender a verdadeira dimensão desta criação inicial.

Larniki resolveu aparecer neste momento, como antes decidira aparecer menino-pássaro, perdido numa existência sem sentido.

Larniki fornecerá as asas ao sobrinho Hannibas, conforme as recebeu das mãos apaixonadas da menina princesa, conforme leu nas primeiras histórias que lhe foram gravadas na existência luminosa.

Para que os momentos se perpetuem tal como foram inicialmente construídos pela imaginação prodigiosa do bisavô de todos os tempos, Larniki nunca conhecerá as raízes que estão na origem das suas existências. Apenas sentirá, por breves instantes, o calor inicial dessas viagens. Entenderá, por breves instantes, as palavras escondidas ao longo das pedras dos seus diferentes destinos. O poder guardado nesses momentos dar-lhe-á sensatez infinita e uma capacidade invisível que o acompanhará em cada uma das suas viagens.

Os cavaleiros já alcançam com a vista a cordilheira sagrada de Wawaghan. Daqui a três dias serão por ela recebidos. É lá que se encontra escondida, na primeira de todas as pedras, a primeira palavra de todas as histórias.

Larniki sabe-o porque já foi a folha em branco onde essa primeira história se contou.


Hoje não se escreve um poema

Nem se dá luz a nenhum pedaço de história

Hoje nada se entende

Nada se questiona


Os vazios colaram no éter

As maiores de todas as pedras

Do nada tudo se criou

E a existência colou-se

Ao lado de fora desse imenso nada


O invisível explodiu

Do seu interior se retirou

O primeiro dos poemas

A primeira das palavras

O bisavô de todos os tempos


E a razão para todas as inexistências

Foi finalmente derrotada



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