9 de Novembro 2011
Alimentaram-se os animais, mataram-lhes as sedes e deram-lhes o devido descanso. Os cavalos estavam esgotados. Ao longo das margens mais a sul do lago do Medo o avanço da companhia enfrentou as dificuldades do terreno. A besta negra que destroçou parte do reino de Chover, abriu falésias, rasgou vales e esventrou planícies que outrora se atravessavam facilmente. As montadas bebem com ânsia as frescas águas do Marthiris.
O futuro rei serpente desceu do cavalo negro.
Hannibas é um cavaleiro nato. Herdou do pai e do avô materno dotes excepcionais na arte de cavalgar. Poucas são as palavras que se escutaram ao jovem príncipe. Desde muito cedo o futuro rei serpente sente o peso tremendo da herança que tem de suportar. Observa os campos dilacerados pelas forças desmedidas que desceram dos céus em forma de dragão. A planície, despida de vegetação, emana odores de morte que se colam às lamas que forram os solos.
Larniki aproxima-se, coloca a mão esquerda por sobre o ombro direito de Hannibas e inicia uma conversa com o futuro rei.
- Os ventos são de mudança. As paisagens de hoje não vos devem influenciar a razão. Serás um grande rei, Hannibas, o maior de todos eles. O que esperam de ti não te pode fazer desmoronar a esperança. Em breve saberás identificar as tuas principais virtudes. Ser-te-ão facultadas as asas nas montanhas sagradas de Wawaghan, como acontece a todos os príncipes herdeiros. Aos céus serão lançadas serpentes invisíveis que, como punhais afiados, descerão depois a velocidades impossíveis sobre o reino de Chover, fortalecendo o povo guerreiro, sarando todas as feridas, reforçando a esperança e as vontades do povo. Aprenderás a viver com o infortúnio, com a dureza das surpresas ingratas e dos temporais. Explorarás a tua verdadeira natureza, descobrirás as tuas riquezas e as forças escondidas em ti e aprenderás a tirar partido dos sonhos. Serão eles que te dirão quais as pedras, quais as palavras e quais as linhas onde se construirá a tua história e o teu destino. Isto é tudo o que te espera Hannibas.
O príncipe manteve o olhar sempre fixo nos campos estéreis e pestilentos enquanto escutou atentamente as sábias palavras do tio Larniki.
- Que ventos foram estes tio? Que gélidos e escuros ventos nos lançaram? Quantas nuvens negras neles se esconderam, quantas grutas, quantas árduas tarefas foram por eles semeadas? Os nossos guerreiros parecem derrotados pela paisagem. E este silêncio pesado que se impregnou na comitiva desde que avançamos neste pântano infinito onde a cabeça da besta descansou. Dei por mim a desejar um reino como o de antes, meu tio, e não este de agora por onde caminhamos.
Hannibas sofre do mesmo mal dos seus guerreiros. As suas palavras deixam transparecer a cor do desânimo. Larniki procura sábias palavras para iluminar o rosto desalentado do sobrinho.
- O primeiro elemento da vida é a palavra. A primeira palavra é o grito vitorioso dado por todos à chegada. A primeira surpresa surge da luz e do sangue e a primeira viagem acaba nas puras e sagradas águas do Marthiris. Repara como se mantêm suspensas nas águas sujas as pontes destruídas da antiga estrada. São novos marcos corajosos de pedras e de histórias perpetuadas na paisagem. Desviar a atenção daquilo que é verdadeiramente importante foi o desejo subjacente destas almas agrestes que destruíram parte significativa do império de Chover. Terás de ter a coragem e a resistência destas pontes, saber viver com o infortúnio e transformar estes momentos no teu escudo protector.
Hannabis cavaleiro nato
Futuro rei serpente de Chover
Carrega aos ombros a herança
De desmedido peso
Nos campos estéreis
Odores de morte se soltaram
A todas as lamas dos solos se colaram
Hannabis ganhará asas
Entenderá vontades
Descobrirá escondidas virtudes
Tirará partido dos sonhos
Escolherá as pedras com critério
Construirá a história e o destino do império
O primeiro elemento da vida
A palavra
A primeira palavra nascida
O grito vitorioso da chegada
A luz é o caminho
O sangue uma surpresa
No início da viagem
As pontes corajosas de Chover
Resistentes pontes corajosas de Chover
Perpetuam as histórias na paisagem
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