sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MOMENTOS DOIS - 9


20 de Outubro 2011


Outubro avança sem se sentir, como uma sombra que se adivinha. Escondido, avança, defendido pelas penumbras até alcançar o seu fim.

O dragão destruidor avançou pelas sombras, como os meses devoradores de pedras, de histórias e de palavras.

Desapareceram tantas palavras como os derrotados de Chover. Milhões foram os castigados, centenas de milhares os mortos e outros tantos os feridos. As palavras desmontadas por toda a parte, desorganizadas pelo poder quase infinito do invasor, deixarão de construir essas histórias. Desta escuridão ensanguentada, deste abominável cataclismo, sairá revigorado em heroísmo e providência o futuro rei serpente de Chover.

Lakis, o governante do vasto império agora ferido, não consegue manter a frieza e o pragmatismo necessários para fazer reerguer das ruínas as cidades-estado aniquiladas. Os recursos naturais a sul dos montes serenos foram severamente afectados. Os vales outrora férteis e tão generosos estão praticamente destruídos. Foram transformados em estéreis pastos lamacentos.

O mar de Centhaurydhis invadiu os terrenos agrícolas, as planícies temperadas, os vastos pomares e todos os territórios de caça. O rei e a família sobreviveram ao violento ataque do dragão mas Lakis não consegue resistir ao que os seus olhos vislumbram. Notícias cada vez mais negras chegam do centro do reino, junto ao coração do lago Nhaguk. O dragão negro repousou por três semanas no centro do imenso reino sem atravessar a fronteira a norte da província. Parte da sua cabeça e do seu bafo hediondo entraram pela zona intermédia de Treghirkh, a Oeste. A cauda escamosa e as patas dilacerantes passaram para lá das linhas orientais da província de Galymiades. Seriam necessários onze dias a cavalo para conseguir cobrir toda a distância do focinho até à última escama negra da cauda do invasor.

Após as três semanas de indolência os terrenos por debaixo da besta ficaram cobertos de cinzas, poeiras e negrume.

Como Setembro e como este Outubro, como as sombras que não se adivinham, o dragão invasor desapareceu ao colo das mesmas penumbras que o largaram neste reino.

Os céus choram e as nuvens ainda gritam.

As gotas pesadas de chuva transformam o leito desenhado pelo denso corpo do dragão num lago do tamanho do Medo. O lago recebeu as águas sagradas do rio Marthiris e recebeu as mais salgadas de todas as águas. Através do novo canal que se formou entre o mar de Centhaurydis e o mar de Akoukh a Leste de Chover, as águas galgaram os terrenos esventrados e alimentaram este gigantesco novo lago em forma de corpo de dragão.

O sul do reino deixou de estar ligado ao território aliado de Althydis. A província de Galymiades foi cortada em três novos territórios tendo um deles ficado fisicamente afastado da verde língua de terreno que fazia fronteira com o império de Althydis.

O centro do reino de Chover só pode ser alcançado se alguém se aventurar nas escuras águas deste novo lago, nessas águas manchadas de um vermelho quase negro. Bem cedo o povo o denominou como lago do Medo. Para evitar essa necessária travessia é preciso avançar em direcção ao Oeste, entrar na zona intermédia de Treghirkh e contornar a cabeça do lago. Para chegar de Akhor até às tribos do lago Nhaguk já não são três dias e meio de viagem mas sim nove a dez dias de jornada.

Lakis envelheceu mais de dez anos no curto espaço de seis dias. Uma avalancha de infortúnios com centenas de milhares de mortos e feridos e a destruição generalizada do seu reino devolveram-lhe os mais ignóbeis pesadelos. Sem que nada o fizesse crer, transformaram-se na dura realidade.

O seu povo orgulhoso, que tanto ama, sofreu um duro revés. O seu reino tão admirado, tão invejado pelos invasores inimigos, sofreu uma contrariedade nunca vista que quase o aniquilou para todo o sempre.


Outubro avança sem se sentir

As palavras saíram derrotadas

Foram desmontadas

Pelo poder do invasor


Férteis vales de campos generosos

Foram destruídos

Foram usurpados

Pelo poder do invasor


O centro do imenso reino

A sul do lago Nhaguk

Foi o leito do invasor


Os céus choram

As nuvens gritam

As gotas pesadas da chuva

Caem no fosso do invasor


Desenhou o corpo na terra

Terra que recebeu o Centaurydhis

As águas salgadas de Akorkh

E as sagradas do rio Marthiris


Assim nasceu

o lago do tamanho do Medo

Desenhado no centro do reino

Pelo corpo negro do invasor

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