sábado, 15 de outubro de 2011

MOMENTOS DOIS - 8



14 de Outubro 2011


O dragão atacou sem piedade, sem aviso prévio. As valorosas tropas do rei Lakis nada puderam fazer.

Abrigado pelo início da madrugada, camuflado na escuridão e no silêncio, o animal gelado arrasou por completo as três mais poderosas cidades do reino de Chover. Com uma força indescritível, destruiu as muralhas centenárias da capital, destruiu para lá do porto, para lá dos aquedutos, para lá das estradas a norte e a nordeste. Tudo acabou por ruir calamitosamente com um estrondo do tamanho do reino. As patas do animal caíram depois com toda a fúria no alto da mais bela colina da capital destruindo parte da cidade.

Em Sharkut, na foz do rio Nidishikhan, cravou raivosamente a pata traseira fazendo milhares de mortos. Formaram-se depois ondas gigantescas, tsunamis inimagináveis que avançaram como ondas de choque em todas as direcções. A cidadela oficina ficou reduzida a escombros numa amálgama de destroços, corpos, detritos e poeiras. Ninguém em Sharkut alguma vez sonhara com tamanho castigo.

A cólera odiosa da besta sanguinária tombou ainda sobre Akhor, a cidade que recebe o rio Marthiris antes de atravessar os desfiladeiros dos montes serenos. A pata traseira do animal passou por cima da cordilheira e abateu-se sem piedade em cima da cidade. Apenas alguns membros de dez famílias de Akhor conseguiram escapar com vida deste massacre.

O dragão limpa os dentes com a pata dianteira, transporta restos amputados de corpos até à boca para os engolir, arrasa com a cauda os caudais e os leitos dos rios Syhanuk e Nidishikhan.

Ninguém foi capaz de antecipar esta desgraça. A ruína abateu-se pela madrugada sobre o belo reino. Em plena comemoração dos feitos gloriosos da batalha das quatro madrugadas, numa improvável conjugação de contrariedades divinas, a tragédia apanhou desprevenido o povo guerreiro de Chover.

O dragão alimenta-se com sofreguidão de tudo aquilo que consegue alcançar. As colinas da cidade já não existem, o delta do rio Marthiris foi engolido por quatro vagas sucessivas que o transformaram em lama, tal como aquelas que forram os desertos pantanosos de Kanedh e Ormetsh.

As gémeas Öllin tomaram conta da história. Ainda mal tinham sido colocadas as personagens no tabuleiro de jogo, já o seu poder assume formas demoníacas. As irmãs divertem-se a introduzir com perfídia estes monstros nos enredos. As histórias que consideram mais ameaçadoras são logo assaltadas, por isso, fico honrado com a destruição. Criaram esta gigantesca criatura que surgiu fantasmagórica das profundezas do mais venenoso dos abismos. A sua dimensão é a do próprio mal e desenharam-lhe o medo nos olhos. Todas as pedras, quase todas as palavras foram destruídas. O céu por cima do monstro enfeitou-se com as caras das escritoras.

Enquanto a última gota de tinta alimentar a ponta deste aparo, enquanto as pedras esconderem os acontecimentos, farei frente às mentes demoníacas das duas irmãs, continuarei a fazer crescer luzes e reflexos por cima de todos os fantasmas. Pintarei tudo o que for destruído com todos os que conseguiram esconder-se da devastação arquitectada. Os heróis crescerão bem mais fortes depois de terem presenciado esta alteração da epopeia. São eles que lhe irão prestar todo o auxílio. Por agora, ainda é impossível apagar das cúpulas celestes de Chover as assinaturas das duas jogadoras.

Uma estratégia chega do parceiro à minha esquerda. Terei de dar uso ao objecto atribuído.

Hannibas recebeu como presente dos pais, no dia do décimo sexto aniversário, um pequeno cofre de bronze. Este objecto foi criado para guardar os mais preciosos poderes da Hglira da casa Kostarinadis - Imortalidade e Invencibilidade.

No dia da sua coroação, Hannibas receberá de volta o cofre sagrado. O domínio desses poderes consagrados ser-lhe-á entregue pelas tribos do norte. São elas que recordam a primeira história e são elas que recordam como a montanha-mãe cresceu. Contar essas histórias é tão importante como é importante manter a sua segurança. O cofre encontra-se protegido na grande cordilheira, guardado pelos grandes xamãs. Eles conhecem todas as histórias, todos os truques de todos os jogadores deste e dos anteriores Benzerinaguis, até do primeiro.

Os que sobreviveram ao ataque invisível do dragão aceitarão as tarefas, as missões, aceitarão os sacrifícios, sabem que terão de esconder dos invasores e de todos os monstros estes segredos poderosos da Hglira real.

Depois de Hannibas ser coroado quarto rei serpente de Chover, terá início a reconstrução do império, terá início a reunificação de todas as cidades-estado, reabilitar-se-á a confiança e o orgulho, honrar-se-á a herança de Lakis, de Zaffiris e de Rakis Kostarinadis.

Enquanto tal não é possível, o dragão alimenta-se da destruição provocada sem ousar avançar para as montanhas a norte onde reina Wawaghan acima de todas as entidades. Estas criações geladas não seriam bem recebidas e as gémeas escritoras sabem como evitar esse confronto.

O cofre de bronze foi entregue ao cuidado de grande xamã Zharkhanis. Encontra-se arquivado algures num dos picos sagrados da grande montanha-mãe onde só ele o pode manejar.

Hoje, nesta triste madrugada, foi retirado por Zharkhanis do coração das pedras onde o guardara.

Este é o momento de acordar!


O dragão vestiu-se de madrugada

Camuflou-se de escuridão

Arrasou o centro e o sul do reino

Com as patas semeou destruição


Espumou raiva

Alimentou-se dos corpos

Dos destroços


Os leitos dos rios desapareceram

O mar aliou-se ao monstro

O delta do Marthiris é deserto

De lamas

De corpos

De lágrimas de sangue

Onde as colinas de Chover se derreteram


Enfeitou-se o escuro céu

Com o rosto sorridente das escritoras

O mal quis desta forma comparecer

Em Wawaghan se esconde a história primeira

Zharkiris invoca do cofre milenar

Os mais preciosos de todos os poderes


Agora é o momento de lutar

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