12
de Março de 2012
A montanha não se fechou, moveu-se para proteger
Hannibas. Faltava pouco para atingir o último degrau da viagem quando uma
vontade amaldiçoada surgiu, vinda do nada, para o destroçar. São muito
poderosos os poderes do maldito que invadem as histórias deste Benzerinagui. A
gémea escritora permanece incólume à ameaça das paredes, aliás, a situação
favoreceu a sua veia criadora. Öllin parece rejuvenescida e de todas as
galáxias surgem notícias do grande apreço e interesse que a sua epopeia tem
gerado. Se não acontecesse o desabamento da montanha por cima do cego peregrino
já não existiriam palavras que contassem esta história.
Zharkhanis avisou a montanha, Wawaghan avisou
Argenta, a rainha avisou Hannibas e o jovem princípe usou as asas imensas para
se proteger da intervenção sagrada da mãe-montanha. Os quatro corações bateram
em sintonia e tudo aconteceu como previsto. O escudo protector deu guarida ao
futuro rei-serpente que acabou por ser transportado até ao centro de Wawaghan
onde o mosteiro passou a existir. A gigantesca construção invisível acompanhou
o percurso de Hannibas e encontra-se agora à sua frente. Argenta consegue
vislumbrar o mítico lugar no fundo das águas do Centaurydhis, consegue ver o
filho aninhado no centro das neves da montanha, protegido pelas suas imensas
asas indestrutíveis. Consegue-se acalmar. Sem que o príncipe sentisse, Argenta
falou-lhe, comunicou-lhe o destino, o rumo a seguir. A força que necessita para
o que falta da viagem encontrá-la-á nesta improvável conjugação de forças
imbatíveis.
A cegueira branca, luminosa, irá abandoná-lo.
Hannibas consegue alcançar a entrada do templo onde Zharkhanis permaneceu à
espera deste dia. O cofre de bronze encontra-se algures numa das salas da
gigantesca construção. Agora nada mais importa, só este silêncio, este momento,
esta verdade. O guardião veste um traje cerimonial riquíssimo em tons de verde
e dourado. Nas suas mãos repousam dois lenços de seda branca, imaculadamente perfumados
com finos odores de mil flores azuis da montanha.
Nenhuma palavra sai da boca dos dois homens, nenhum
gesto a mais é ensaiado, nenhum gesto a menos fica por coreografar. O corpo
azul escamado de Hannibas é o seu único aliado. Ao redor do fino pescoço do
sobrinho, Zharkhanis coloca o primeiro lenço perfumado. A sorrir, ata o segundo
lenço à volta da cabeça do príncipe tapando-lhe os olhos, sonegando-lhe
novamente o sentido da visão. Desta vez a cegueira é escura, bem diferente da
que o acompanhou nos últimos momentos da jornada. É assim que tentará encontrar
o que aqui veio procurar. Só o peregrino penitente poderá atingir a sala do
magnífico tesouro. A última palavra encontra-se arquivada nessa pedra de bronze
em forma de pequeno cofre. Uma única palavra que contém uma história inteira e
partes importantes da primeira. Uma palavra descendente da primeira de todas as
palavras. Uma palavra esconde-se nessa importante pedra invisível que, tal como
as outras, terá de ser cuidadosamente desembrulhada.
Os séculos fogem, como as décadas, os anos, os meses,
os dias, os minutos e todos os segundos, mas nada os faz brilhar com maior
intensidade do que as pedras invisíveis que a montanha ajuda a descobrir.
- Aqui venho procurar a última palavra, adjectivo
desenhado com as cores brilhantes da lua, adjectivo desenhado pelo corpo invisível
do pequeno dragão branco. Aqui me ajudaram a chegar. Esta história não é minha
mas também é a minha história. Os sonhos de todo um império constroem-se através
dela e dela fazem parte. Eu não me importo, já não me importo. Este é o momento
em que nada mais importa. Tenho de conseguir responder às perguntas da voz da
lei austera. Fui capaz de viver e de respirar em tudo o que vive. Fui capaz de
sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em mim. Descobri em mim
todas as chaves desse cofre, menos a última. Este azul que me protege é quase tão
eterno como a madrugada, como as águas salgadas de todos os mares e oceanos, como
as águas doces e cristalinas de todas as nascentes. Fiz todas essas viagens. Fui
até ao princípio e até ao fim das cordilheiras, salvei meus irmãos do pesadelo
da derrota, da vergonha e da desonra, salvei a alma de meu saudoso pai que me
salvou a mim ao fazer-se escutar pela voz da lei austera. Não me resta outra
solução. Caminharei neste coração de Wawaghan construído em forma de mosteiro,
guardado zelosamente pelo nobre guardião. Avançarei sem alterar a cegueira que
me foi aqui apresentada. Avançarei como penitente peregrino pois foi assim que
aqui cheguei. Volta para trás minha mãe, regressa ao sossego de
Chover. O teu corpo foi o meu nesta fase delicada da jornada. Sem a tua ajuda, sem
as tuas palavras corajosas, certamente não teria conseguido sobreviver. Volta para
trás minha mãe, regressa ao sossego da capital do nosso império onde todos
anseiam a tua chegada e não te preocupes mais com o que me possa vir a
acontecer.
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