terça-feira, 13 de março de 2012

MOMENTOS DOIS - 42



12 de Março de 2012


A montanha não se fechou, moveu-se para proteger Hannibas. Faltava pouco para atingir o último degrau da viagem quando uma vontade amaldiçoada surgiu, vinda do nada, para o destroçar. São muito poderosos os poderes do maldito que invadem as histórias deste Benzerinagui. A gémea escritora permanece incólume à ameaça das paredes, aliás, a situação favoreceu a sua veia criadora. Öllin parece rejuvenescida e de todas as galáxias surgem notícias do grande apreço e interesse que a sua epopeia tem gerado. Se não acontecesse o desabamento da montanha por cima do cego peregrino já não existiriam palavras que contassem esta história.
Zharkhanis avisou a montanha, Wawaghan avisou Argenta, a rainha avisou Hannibas e o jovem princípe usou as asas imensas para se proteger da intervenção sagrada da mãe-montanha. Os quatro corações bateram em sintonia e tudo aconteceu como previsto. O escudo protector deu guarida ao futuro rei-serpente que acabou por ser transportado até ao centro de Wawaghan onde o mosteiro passou a existir. A gigantesca construção invisível acompanhou o percurso de Hannibas e encontra-se agora à sua frente. Argenta consegue vislumbrar o mítico lugar no fundo das águas do Centaurydhis, consegue ver o filho aninhado no centro das neves da montanha, protegido pelas suas imensas asas indestrutíveis. Consegue-se acalmar. Sem que o príncipe sentisse, Argenta falou-lhe, comunicou-lhe o destino, o rumo a seguir. A força que necessita para o que falta da viagem encontrá-la-á nesta improvável conjugação de forças imbatíveis.
A cegueira branca, luminosa, irá abandoná-lo. Hannibas consegue alcançar a entrada do templo onde Zharkhanis permaneceu à espera deste dia. O cofre de bronze encontra-se algures numa das salas da gigantesca construção. Agora nada mais importa, só este silêncio, este momento, esta verdade. O guardião veste um traje cerimonial riquíssimo em tons de verde e dourado. Nas suas mãos repousam dois lenços de seda branca, imaculadamente perfumados com finos odores de mil flores azuis da montanha.
Nenhuma palavra sai da boca dos dois homens, nenhum gesto a mais é ensaiado, nenhum gesto a menos fica por coreografar. O corpo azul escamado de Hannibas é o seu único aliado. Ao redor do fino pescoço do sobrinho, Zharkhanis coloca o primeiro lenço perfumado. A sorrir, ata o segundo lenço à volta da cabeça do príncipe tapando-lhe os olhos, sonegando-lhe novamente o sentido da visão. Desta vez a cegueira é escura, bem diferente da que o acompanhou nos últimos momentos da jornada. É assim que tentará encontrar o que aqui veio procurar. Só o peregrino penitente poderá atingir a sala do magnífico tesouro. A última palavra encontra-se arquivada nessa pedra de bronze em forma de pequeno cofre. Uma única palavra que contém uma história inteira e partes importantes da primeira. Uma palavra descendente da primeira de todas as palavras. Uma palavra esconde-se nessa importante pedra invisível que, tal como as outras, terá de ser cuidadosamente desembrulhada.
Os séculos fogem, como as décadas, os anos, os meses, os dias, os minutos e todos os segundos, mas nada os faz brilhar com maior intensidade do que as pedras invisíveis que a montanha ajuda a descobrir.
- Aqui venho procurar a última palavra, adjectivo desenhado com as cores brilhantes da lua, adjectivo desenhado pelo corpo invisível do pequeno dragão branco. Aqui me ajudaram a chegar. Esta história não é minha mas também é a minha história. Os sonhos de todo um império constroem-se através dela e dela fazem parte. Eu não me importo, já não me importo. Este é o momento em que nada mais importa. Tenho de conseguir responder às perguntas da voz da lei austera. Fui capaz de viver e de respirar em tudo o que vive. Fui capaz de sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em mim. Descobri em mim todas as chaves desse cofre, menos a última. Este azul que me protege é quase tão eterno como a madrugada, como as águas salgadas de todos os mares e oceanos, como as águas doces e cristalinas de todas as nascentes. Fiz todas essas viagens. Fui até ao princípio e até ao fim das cordilheiras, salvei meus irmãos do pesadelo da derrota, da vergonha e da desonra, salvei a alma de meu saudoso pai que me salvou a mim ao fazer-se escutar pela voz da lei austera. Não me resta outra solução. Caminharei neste coração de Wawaghan construído em forma de mosteiro, guardado zelosamente pelo nobre guardião. Avançarei sem alterar a cegueira que me foi aqui apresentada. Avançarei como penitente peregrino pois foi assim que aqui cheguei. Volta para trás minha mãe, regressa ao sossego de Chover. O teu corpo foi o meu nesta fase delicada da jornada. Sem a tua ajuda, sem as tuas palavras corajosas, certamente não teria conseguido sobreviver. Volta para trás minha mãe, regressa ao sossego da capital do nosso império onde todos anseiam a tua chegada e não te preocupes mais com o que me possa vir a acontecer.

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