terça-feira, 6 de março de 2012

MOMENTOS DOIS - 39




5 de Março de 2012

A jornada prepara-se para o dia que terminará.
Coreografias de bailados e as suas músicas são já ensaiados para o dia em que a viagem terminará.

( esta sim ... a balada de Baharhvatin cantada por Sheridan )


A tinta com que se escrevem as histórias mancha-se de lágrimas. As vozes tremem de emoção. O amor, cantado em cada uma delas, será defendido como nunca até à exaustão.
Cada palavra presa é desembrulhada com delicadeza e a surpresa surge ao descobrir-se o segredo que guardava.
Um mundo novo sai dos lábios de quem as conta, com fé e honestidade, e a noite cai de novo pois o tempo não é quando se escreve. A lua substitui o sol e o sol a lua e as estrelas que a acompanham. Renegam quem são para escutar as histórias escritas e as que se escrevem, renegam quem são para escutar as histórias que vencem o lugar da própria morte.
As palavras transportam satisfações para dentro dos enredos. São fiéis porque os seus autores deixam-se guiar nessa luta sem igual. Assim as histórias crescem como casulos tecidos por finos fios de seda aos sons dos sinos do destino. As suas ordens são claras e as marés não aguardam. Respondem ao mais importante dos reis em forma de poesia porque este as conheceu e as leu antes de todos os outros. As palavras das histórias recriam a própria vida assim como a natureza do amor e por isso são seguidas de perto para se poder traçar o destino destes jogadores. As paredes do salão continuam a avançar e as decisões tardam. A felicidade continua estampada nos rostos de todos aqueles que bebem estas epopeias servidas, sem descanso, por todas as holoesferas. Gostam de todas as oito sem excepção, e em silêncio não querem que terminem, não as querem apagar pois este Benzerinagui ficará mais pobre.
Coreografias de bailados e as suas músicas continuam a ser ensaiadas, com paixão, para o dia em que a viagem terminará. Em todas as histórias o amor vence a morte com cortesia, em todas elas o amor não é mentira e permite alcançar vitórias, em todas elas o amor permite amar para além da poesia e dos destinos cantados.
A luz e as nuvens do oriente chegam ao alto das montanhas maravilhosas iluminando o caminho até ao mosteiro. Ferido, quase derrotado, exausto, nu e esfomeado, é para lá que Hannibas avança. A morte e o perpétuo esquecimento ser-lhe-ão servidos se assim não proceder. E a morte não desiste, veste-se de tristeza, pinta-se com as cores negras do odioso. Öllin nunca desistiu de tentar vergar o peregrino e agora que Hannibas se encontra tão perto do templo a gémea joga a última carta invisível do baralho.
Todos os receios eram fundamentados.
A grande dama branca da montanha desaba inclemente por cima do corpo azul do futuro rei-serpente. Cego e marcado pelos múltiplos desafios da jornada, não conseguiu antecipar esta derradeira intromissão da escritora que assim fez desabar três quartos dos mais altos picos da montanha-mãe.
Wawaghan vibrou, o corpo azul escamado do peregrino vibrou, a maré da tarde vibrou e cobriu os joelhos doentes de Argenta junto à grande praia da capital do império informando-a do acontecido. O coração parou, os olhos fecharam-se e a mesma iluminada névoa branca inundou os olhos molhados da rainha de Chover.
- Nada mais importa! Estamos perdidos. O império foi derrotado, as histórias que aqui se compuseram foram irreversivelmente destruídas. Parem de ensaiar as coreografias de bailados e as suas músicas pois morreu a hipótese de dia em que a viagem terminará.
As mãos tingidas de sangue, como a montanha. As palavras tingidas de sangue, como as mãos de Argenta e o coração de Hannibas. A beleza das histórias, de todas as histórias, condenadas ao mais abjecto esquecimento por vontade de Öllin. A maré sobe rapidamente, cada vez mais gelada como as neves eternas que desabaram sobre Hannibas.
- Nada mais importa! Estamos perdidos. Mergulho, cansada, nas águas do Centaurydhis e contemplo o corpo azul escamado do meu filho vencido pelas neves eternas da mãe-montanha. Abraço o teu corpo que é o meu corpo, bondoso príncipe. Vejo-te apesar da neblina branca que me cega. A tua morte será a minha se estes tristes acontecimentos se consumarem neste fim.
Resta com o amor vencer a própria morte.
- Lágrimas e uma viagem, meu amor. Não existe maior verdade nas palavras do que aquela que se esconde na pedra da primeira história
A história, todas as histórias, podem ser resgatadas ao eterno silêncio dos esquecimentos se cessar o avanço das paredes do salão. A verdadeira natureza do amor, de todos os amores, esconde-se no coração de Wawaghan, esconde-se nas águas frias da maré do Centaurydhis.
- Sonhadores, sois uns sonhadores! Julgam ser possível vencer o meu poder. Se venci todos os anteriores Benzerinaguis é porque o meu nome, maior do que o de todos os adversários, jamais conhecerá o peso da derrota. As minhas histórias são como náufragos resgatados ao oceano que se transfiguram em heróis maiores que esse oceano onde naufragaram. Os passos nas finas areias das praias onde desembarcaram são as minhas primeiras palavras, os areais extensos são as minhas folhas brancas, o céu azul que as decora a minha luz e as luxuriantes paisagens a fértil imaginação que me invade nas horas de fraqueza. Sonhadores, sois todos uns sonhadores e agora, tão perto do fim, a montanha ruiu e a maré sobe. Os bailados, as coreografias e as músicas terão um destinatário diferente no final deste Benzerinagui!
No fundo das águas do Centauridhys Argenta mantém-se abraçada ao filho que não esperava encontrar assim.
O ambiente no salão de jogo sofreu abalo tremendo. Alguém informou os jogadores que as paredes se movimentam e os enredos começam a sofrer momentos de ruptura. Os mais frios e calculistas conseguem manter a frieza necessária para criar com a mesma qualidade, mas para alguns a tarefa tornou-se agora bem mais penosa.

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