sábado, 18 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 36



18 de Fevereiro de 2012

Enquanto os escritores dão continuidade ao Benzerinagui, o salão começa a encolher. As paredes começam a aproximar-se muito lentamente. O tempo para decidir o vencedor desta última mesa vai-se esgotando. Nela todos se mantêm em grande efervescência criativa.
Sem vencedor declarado e com oito jogadores em disputa, os leitores das histórias dão a entender que o grande vencedor deste Benzerinagui poderá estar sentado nesta mesa. Uma improvável conjugação de factores colocou os mais criativos e aguerridos de todos os jogadores na mesma mesa de jogo. As histórias que criam amontoam-se em milhares de folhas até ao tecto, folhas onde se descrevem as mais fascinantes personagens que depois se envolvem nas mais complexas e brilhantes relações através de paisagens nunca antes reveladas. Este espectáculo grandioso criado à sua volta mantém estes extraordinários escritores tão compenetrados na sua arte que nenhum deles se apercebeu do movimento das paredes.
Em cada uma das holoesferas espalhadas pelos mais recônditos locais do universo acendeu-se, intermitente, a luz vermelha das escolhas. Para os espectadores leitores o tempo das decisões está perto do fim. Se não decidirem rapidamente, se ficarem reféns das histórias que acompanham, as paredes alcançarão os oito jogadores, destruirão as suas obras e também os criadores. A beleza de tudo o que criam pode ser o motivo primeiro da sua destruição. Na última mesa, naquela que receberá os três últimos antagonistas, está decidido quem transportará aos ombros a glória derradeira. Sem sobressaltos, através da forma costumada, dois dos competidores abdicarão das palavras e ajoelhar-se-ão perante o colega vencedor. A sua história ficará gravada a letras douradas na pedra mais valiosa da mãe-montanha onde se arquivará. O vencedor não mais será esquecido, as suas personagens e o herói da epopeia serão eternizados. As palavras do poema serão acrescentadas às palavras da primeira de todas as histórias ajudando-a a crescer, ajudando-a a viver para sempre no coração de todos os leitores, nos seus filhos, nos seus netos, nos seus bisnetos e nas dez seguintes gerações. Será mencionado pelas infinitas holoesferas do universo. A epopeia será traduzida, será reinventada, será ensaiada e muitos tentarão decifrar os mistérios escondidos em todas as suas dimensões. O escritor passará a ser tão conhecido como o nome do herói por ele glorificado. Viajará como ninguém, será recebido por todos como um verdadeiro rei. Hinos e sinfonias lhe serão dedicados e passará a fazer parte de muitas outras histórias.
Mas as paredes não abrandam o seu silencioso movimento. O salão ganha pequenez enquanto as palavras se acrescentam às que já nasceram sem que os jogadores percebam o perigo. Os leitores, esses, continuam absorvidos, encantados com os enredos que nascem nesta mesa e não abdicam desse prazer. Se nada se alterar nas próximas duas décadas as oito obras desaparecerão para todo o sempre juntamente com os seus oito escritores.
Hannibas voa como floco de neve no coração de Sheridan.
Aqui não existe guerra, só amor. A marca azul que protege os dois amantes e cristalizou o tempo está em perigo, como as palavras que contam esta história.
Este amor está em perigo, o império está em perigo e o futuro rei-serpente pode nem ter acontecido se as paredes que se movem no grande salão não forem paradas.
Este é um momento de incertezas. A própria existência desta história e de todos os escritores que comigo contam as histórias podem muito bem nunca ter acontecido.
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