quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

MOMENTOS DOIS - 32




7 de Fevereiro de 2012

Acorda com o sol que toca no planalto.
Acorda para repousares entre as asas da grande ave.
Cavalga na ave da vida, sê a ave da vida pois só assim poderás saber.
Abandona essa outra vida, Hannibas, abandona-a se queres viver, abandona-a para poderes pisar os ventos por cima das ondas, para poderes caminhar nesse caminho, para poderes, tu próprio, transformar-te nesse caminho.
Auxilia a natureza, não desejes nada, trabalha com ela e ela te reconhecerá como um dos seus criadores, passará a ser tua aliada. Ela te auxiliará a fundires os teus sentidos num só. Tens de apagar todas as memórias, não te prenderes ao que já passou senão estarás perdido.
Tens de ser corajoso, tens de saber escutar para poderes ver, saber ver sem ter de ouvir, saber cheirar e gostar, sem ver, sem escutar, sem cheirar, saber como fundir todos os sentidos tornando-os num quinto sentido, no tacto interior que te eleva.
Encontrar-te-ás e voltarás a entender o local onde te encontras, voltarás a fazer parte das primeiras lamas iniciais de onde tudo se criou.
Serás de novo o fogo, a pequena chama que o faz vibrar, serás o oceano, a pequena gota que o fez crescer, será a luz que tudo ilumina e aquece, a pequena centelha de energia que a faz brilhar, serás o conquistador, o libertador e a verdade, serás o grande rei serpente do império de Chover.
Hannibas, vê!
És agora a luz, o som e o mestre que desejavas. Tu és a história que aqui vieste procurar, és a eternidade de todos os caminhos, és a pedra onde se arquiva a primeira história, és o primeiro escritor, vencedor de todos os Benzerinaguis iniciais, isentos de tristezas, carregados de paixão.
A tua luz reflecte-se, agora, nas águas tranquilas das lagoas.
A luz da lua reflecte-se, agora, nas águas tranquilas das lagoas.
A tua mente reflecte-se, agora, nos espelhos que são as águas tranquilas das lagoas.
Não deixes de amar todas as coisas, não deixes de pregar, de ensinar todas as histórias e até a primeira, em todas as montanhas, em todas as planícies, pelas tribos dos desertos, pelas vilas, aldeias e cidades do império, a todos os homens, a todos os que vivem, a todos os que viverão.
Aponta o caminho, como a estrela da tarde, à multidão de peregrinos perdidos que caminham pela escuridão.
Voltarás, gota, ao lugar de onde vieste, e por esse caminho encontrarás os estádios para todas as mudanças e conhecerás a verdadeira, absoluta felicidade, a verdadeira, absoluta pureza.
Esta viagem tornou-te lúcido e já não és prisioneiro de pensamentos ilusórios, esta viagem foi escolha tua pois ansiavas por sabedoria. Prepara-te, pois o resto do percurso terá de ser percorrido sozinho, e os teus servos já estão prontos para que os guies. Ondularás arduamente pela montanha acima, serás três vezes grande ao atingires o píncaro altíssimo de Wawaghan. Aí encontrarás o cofre de bronze guardado pelo grande xamã Zharkhanis. Sete são as chaves que terás de descobrir para poderes aceder ao que se esconde no seu interior.
A chave da caridade e do amor imortal, a chave da harmonia, a chave da suave paciência, a chave da verdade que te manterá indiferente ao prazer e à dor, a chave da energia indómita que te dará a vitória sobre todas as mentiras, a chave da porta dourada que te levará ao reino eterno da contemplação sem fim, e a chave da liberdade divina, aquela que fará de ti um homem livre, um homem que saberá viver e respirar em tudo o que vive, sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em ti. Terás, ainda, mais uma vez, de voltar a responder à voz da lei austera.


8 de Fevereiro de 2012

- Preciso que me faças um pequeno grande favor, Hannibas! Protege a minha memória, as minhas ideias como se fossem as tuas. Não desfaleças. Fico confortável na tua companhia meu filho. Tenho medo! Fica mais um pouco até que a morte nos separe e tu sigas viagem pelo caminho que nos resta. Os soldados regressarão, vitoriosos, à revigorada capital do reino. Uma coragem como nunca antes existiu levou-os até à vitória final. Pelas ruas e grandes avenidas de Chover nunca se repetirão festejos tão grandiosos. A mentira trouxe de volta a dor a estas salas que ficaram tão vazias.
Argenta procura, em vão, por um passado que já não volta. Enquanto dormia, imaginou esta conversa que ficou por acontecer, palavras que nunca foram ditas, verdades que foram transformadas em falsidades, em mentiras, tudo para bem da grandeza do império. Em Althydhis, rapidamente esqueceram Argenta, esqueceram as suas palavras mentirosas, as suas falhas e os seus silêncios, esqueceram as invejas e a forma egoísta como cresceu. Enquanto dormia recordou esses dias passados em que foi princesa, e recordou os tormentos que causou à sua irmã mais velha, as falsidades perversas que construiu à volta dela. Teias de falsidades que a sufocam desde então, que a atormentam e isolam, que a impediram de avançar.
- Vou morrer, como Lakis, mas tenho de fazer tudo aquilo que falta até ao regresso de Hannibas. Enviei os meus filhos mais velhos até à longínqua Wawaghan, enviei Hannibas, salvei-o desde este leito em que caí e repouso. Implacavelmente a morte avança sobre mim, honestamente. Inventei este poema porque o império se desmoronou em frente de meus olhos como nenhum outro. Restava-me apenas o poder da palavra, da invenção. Mesmo assim, com elas não fui capaz de curar os males passados que para sempre se encontram esquecidos nas terras de meus pais. Althydhis quis esquecer-me. Não mais vi a quem tanto mal causei. A bondade surgiu-me agora, feliz e tardia como nunca, como esta doença que me invadiu o corpo e me estagnou a alma. A espuma das brancas ondas do Centaurydhis chama por mim. A solidão é a derradeira companheira, ela me aliviará o peito amargurado. Resta-me a palavra que, como uma pedra, corajosamente, aqui venho depositar. O meu filho peregrino sobe ao píncaro altíssimo de Wawaghan. O mar encontra-se anormalmente tranquilo enquanto chama por mim. Vou morrer, como meu esposo Lakis, com grinaldas de flores da montanha acabadas de colher pelas tribos de Ighrik. É a tua vida e a minha que se encontram em jogo, a minha vida de onde saiu a tua, que é minha vida também. Voa bem alto Hannibas, meu querido filho, meu belo príncipe, meu amor. Quando abrires a última das sete fechaduras do cofre sagrado, nada mais ficará por alcançar.
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