7
de Fevereiro de 2012
Acorda com o sol que toca no planalto.
Acorda para repousares entre as asas da grande ave.
Cavalga na ave da vida, sê a ave da vida pois só
assim poderás saber.
Abandona essa outra vida, Hannibas, abandona-a se
queres viver, abandona-a para poderes pisar os ventos por cima das ondas, para
poderes caminhar nesse caminho, para poderes, tu próprio, transformar-te nesse
caminho.
Auxilia a natureza, não desejes nada, trabalha com
ela e ela te reconhecerá como um dos seus criadores, passará a ser tua aliada.
Ela te auxiliará a fundires os teus sentidos num só. Tens de apagar todas as
memórias, não te prenderes ao que já passou senão estarás perdido.
Tens de ser corajoso, tens de saber escutar para
poderes ver, saber ver sem ter de ouvir, saber cheirar e gostar, sem ver, sem
escutar, sem cheirar, saber como fundir todos os sentidos tornando-os num
quinto sentido, no tacto interior que te eleva.
Encontrar-te-ás e voltarás a entender o local onde
te encontras, voltarás a fazer parte das primeiras lamas iniciais de onde tudo
se criou.
Serás de novo o fogo, a pequena chama que o faz
vibrar, serás o oceano, a pequena gota que o fez crescer, será a luz que tudo
ilumina e aquece, a pequena centelha de energia que a faz brilhar, serás o
conquistador, o libertador e a verdade, serás o grande rei serpente do império
de Chover.
Hannibas, vê!
És agora a luz, o som e o mestre que desejavas. Tu
és a história que aqui vieste procurar, és a eternidade de todos os caminhos,
és a pedra onde se arquiva a primeira história, és o primeiro escritor,
vencedor de todos os Benzerinaguis iniciais, isentos de tristezas, carregados
de paixão.
A tua luz reflecte-se, agora, nas águas tranquilas
das lagoas.
A luz da lua reflecte-se, agora, nas águas
tranquilas das lagoas.
A tua mente reflecte-se, agora, nos espelhos que são
as águas tranquilas das lagoas.
Não deixes de amar todas as coisas, não deixes de
pregar, de ensinar todas as histórias e até a primeira, em todas as montanhas,
em todas as planícies, pelas tribos dos desertos, pelas vilas, aldeias e
cidades do império, a todos os homens, a todos os que vivem, a todos os que
viverão.
Aponta o caminho, como a estrela da tarde, à
multidão de peregrinos perdidos que caminham pela escuridão.
Voltarás, gota, ao lugar de onde vieste, e por esse
caminho encontrarás os estádios para todas as mudanças e conhecerás a
verdadeira, absoluta felicidade, a verdadeira, absoluta pureza.
Esta viagem tornou-te lúcido e já não és prisioneiro
de pensamentos ilusórios, esta viagem foi escolha tua pois ansiavas por
sabedoria. Prepara-te, pois o resto do percurso terá de ser percorrido sozinho,
e os teus servos já estão prontos para que os guies. Ondularás arduamente pela
montanha acima, serás três vezes grande ao atingires o píncaro altíssimo de
Wawaghan. Aí encontrarás o cofre de bronze guardado pelo grande xamã
Zharkhanis. Sete são as chaves que terás de descobrir para poderes aceder ao
que se esconde no seu interior.
A chave da caridade e do amor imortal, a chave da
harmonia, a chave da suave paciência, a chave da verdade que te manterá
indiferente ao prazer e à dor, a chave da energia indómita que te dará a
vitória sobre todas as mentiras, a chave da porta dourada que te levará ao
reino eterno da contemplação sem fim, e a chave da liberdade divina, aquela que
fará de ti um homem livre, um homem que saberá viver e respirar em tudo o que
vive, sentir e existir em todas as coisas e todas as coisas em ti. Terás,
ainda, mais uma vez, de voltar a responder à voz da lei austera.
8
de Fevereiro de 2012
- Preciso que me faças um pequeno grande favor,
Hannibas! Protege a minha memória, as minhas ideias como se fossem as tuas. Não
desfaleças. Fico confortável na tua companhia meu filho. Tenho medo! Fica mais
um pouco até que a morte nos separe e tu sigas viagem pelo caminho que nos
resta. Os soldados regressarão, vitoriosos, à revigorada capital do reino. Uma
coragem como nunca antes existiu levou-os até à vitória final. Pelas ruas e
grandes avenidas de Chover nunca se repetirão festejos tão grandiosos. A
mentira trouxe de volta a dor a estas salas que ficaram tão vazias.
Argenta procura, em vão, por um passado que já não
volta. Enquanto dormia, imaginou esta conversa que ficou por acontecer,
palavras que nunca foram ditas, verdades que foram transformadas em falsidades,
em mentiras, tudo para bem da grandeza do império. Em Althydhis, rapidamente
esqueceram Argenta, esqueceram as suas palavras mentirosas, as suas falhas e os
seus silêncios, esqueceram as invejas e a forma egoísta como cresceu. Enquanto
dormia recordou esses dias passados em que foi princesa, e recordou os
tormentos que causou à sua irmã mais velha, as falsidades perversas que
construiu à volta dela. Teias de falsidades que a sufocam desde então, que a
atormentam e isolam, que a impediram de avançar.
- Vou morrer, como Lakis, mas tenho de fazer tudo
aquilo que falta até ao regresso de Hannibas. Enviei os meus filhos mais velhos
até à longínqua Wawaghan, enviei Hannibas, salvei-o desde este leito em que caí
e repouso. Implacavelmente a morte avança sobre mim, honestamente. Inventei
este poema porque o império se desmoronou em frente de meus olhos como nenhum
outro. Restava-me apenas o poder da palavra, da invenção. Mesmo assim, com elas
não fui capaz de curar os males passados que para sempre se encontram
esquecidos nas terras de meus pais. Althydhis quis esquecer-me. Não mais vi a
quem tanto mal causei. A bondade surgiu-me agora, feliz e tardia como nunca,
como esta doença que me invadiu o corpo e me estagnou a alma. A espuma das
brancas ondas do Centaurydhis chama por mim. A solidão é a derradeira
companheira, ela me aliviará o peito amargurado. Resta-me a palavra que, como
uma pedra, corajosamente, aqui venho depositar. O meu filho peregrino sobe ao
píncaro altíssimo de Wawaghan. O mar encontra-se anormalmente tranquilo
enquanto chama por mim. Vou morrer, como meu esposo Lakis, com grinaldas de
flores da montanha acabadas de colher pelas tribos de Ighrik. É a tua vida e a
minha que se encontram em jogo, a minha vida de onde saiu a tua, que é minha
vida também. Voa bem alto Hannibas, meu querido filho, meu belo príncipe, meu
amor. Quando abrires a última das sete fechaduras do cofre sagrado, nada mais
ficará por alcançar.
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