15
de Fevereiro de 2012
Hannibas medita junto à pequena árvore que o protege
como a grande cobra. O cofre de bronze terá de ser aberto rapidamente. O futuro
rei-serpente tem de encontrar as chaves do cofre antes do final do dia que lhe
resta. Tem de encontrar a gruta onde Zharkhanis se encontra, escutando o
coração da montanha-mãe.
As palavras das histórias chegaram-lhe como sinais,
disseram que a guerra foi evitada.
Nos campos de batalha, Larniki será sempre o seu maior
aliado. O tio, mesmo desarmado e de mãos nuas, é mais forte do que todos os
exércitos inimigos.
- Lamento que os meus irmãos tenham sucumbido à
tentação. Tentaram derrubar-me, aniquilar-me e queriam destroçar a memória de
meu nome. Traíram Larniki que jurou não tomar parte nas batalhas. Com eles tinha
partilhado partes importantes da história e tudo tentei para que não cedessem à
vil tentação do poder. Essa guerra absurda acabou por ser afastada. O tio tudo
fez para a evitar pois essa sempre foi a minha intenção e agora, que sou
poderoso, durmo, acordo e aguardo!
Larniki transportará o estandarte de Hannibas, será
ele quem sempre o guiará e quem nas trevas o iluminará. Os seus irmãos ficaram
cegos com os falsos conselhos e decidiram acreditar numa mentira envenenada que
lhes foi servida como única solução. As lanças já vibravam afiadas e os deuses
riam-se de escárnio dessa condição. Hannibas não podia recusar a contenda, não
podia recusar aquilo que se escrevia sobre si pois esse é o seu destino.
- As minhas asas são as minhas armas, a minha pele
azul escamada e brilhante é o meu escudo protector, o veneno invisível que no
meu sangue ferve é um néctar fatal para quem o ousar provar. Aos meus irmãos fiz
chegar uma última oferta de paz, mesmo sabendo que a morte habitava em seus
corações. Preparavam-se para o combate. Acreditavam que a montanha se encarregaria
de me derrotar para que pudessem desde já tomar o meu lugar. Mas tal não sucedeu.
Mesmo cansado, esfomeado e abatido pela grande jornada, os seus aliados deixaram
de sorrir. Os medos foram apagados, as chamas evitadas e uma glória imensa
antecipou os cânticos que serão compostos para celebrar esta grandiosa façanha.
Gorhagahrjani e Leónidas serão para sempre meus aliados. Os milhares de
soldados e os seus generais, todos morrerão por mim pois li assim noutro poema!
Argenta precisa da minha ajuda, a rainha minha mãe precisa de mim e eu preciso
de silêncio, de tranquilidade e de quietude para poder escutar o ritmo divino de
Wawaghan
Hannibas decifrou esse desfecho nas histórias
arquivadas nas pedras de Wawaghan.
Sinais
Palavras de histórias
Chegaram
Enquanto medita
Enfrentou
Forças desiguais
Evitou
A guerra maldita
Lanças
Vibravam afiadas
Na batalha
Eram o destino
A morte
Viveu e habitou
Nos corações
Como um felino
Chamas
Glória imensa
Vitória
Grande façanha
Derrotados
Pelas palavras
Das pedras
Da mãe-montanha
17
de Fevereiro de 2012
A gélida madrugada chegou mais uma vez.
Hannibas permanece meditativo debaixo da jovem
árvore que o abriga.
A escuridão cobre a montanha e a tempestade cobre de
branco o corpo do príncipe.
A lua cheia está invisível, escondida por densas
nuvens que bailam pelos picos escarpados de Wawaghan. O corpo azul escamado de
Hannibas cintila como se estivesse no fundo da lagoa que assim o pintou.
- Sei o que procuro. Pequei, pequei, sempre soube
como aqui cheguei! As histórias estão carregadas destes momentos e, contudo,
mantive-me cego, surdo e mudo acerca desta evidência. Esta tempestade que me
cobre não foi esculpida pelas meninas-princesa, não é um presente de Sheridan
nem é um pensamento cruel dessa escritora perversa que se alimenta das
histórias de outros. Esta tempestade foi esculpida por mim. Deixei os meus
pensamentos à solta, deixei-os em liberdade e alguns entenderam lançar-me esta
penitência. A pele brilha com intensidade, protege-me e indica-me o lugar onde
as energias primitivas se encontram guardadas. Saahrvidan, ou melhor, o grande
xamã Zharkhanis da Hglira real, espera por mim. O meu tio é o único ser vivo
que sabe decifrar os segredos das lamas iniciais. A minha pele azul é igual à
sua. As vibrações das minhas escamas protectoras e texturadas são da mesma
frequência com que tudo foi criado nesse primeiro instante. Através delas comunicamos,
recebo a palpitação do coração da mãe-montanha e as palavras do grande xamã
Zharkhanis. Vejo com clareza debaixo deste gigantesco bloco de neve que me
cobre. Sou um pequeno sinal gelado com asas. Sou um cristal de neve azulado que
se eleva e deixa arrastar pelos ventos fortes da tempestade. Escuto as vozes da
montanha, não escuto a história que o poeta me contou antes de adormecer mas
recordo as suas palavras. Sou transportado como floco de neve pelos majestosos
picos de Wawaghan ao som da melodia cantada pelo rei-escritor, essa maravilhosa
canção com que hipnotizava os adversários. O cântico de Baharhvatin entretinha-os
a dançar por décadas. Gostaria de continuar esta viagem pela sagrada cordilheira,
soprado pela tempestade, ao som ímpar da balada, como pequeno cristal de neve.
Já sei o que procuro. Pequei, pequei, pois sempre soube como aqui cheguei! Sou
o anjo sem rosto que voa livre pelos brancos eternos da mãe-montanha. A minha
história começou a ser gravada na pedra que a arquivará, passará séculos
perdida na montanha com todas as outras histórias que a fizeram crescer. Lakis
voa comigo na tempestade que criei, assim como Rakis e Zaffiris, como
Armhiritan e Zarkhasthridis, como Vivinidis e Galkuhrdin. Neste voo em família
perpetuam-se as histórias do reino, ensinam-se as regras e os regulamentos,
entendem-se as cores de todos os sofrimentos e aprendemos a sorrir. Pequei,
pequei, sempre soube como aqui cheguei!
A balada de Baharhvatin embala Hannibas através do
seu reino de grutas. Sheridan habita nesse lugar sem tempo, habita nas tempestades
ciclónicas que se entretém a esculpir na palma de sua mão. Sheridan espera por Hannibas
nesse lugar remoto e camuflado onde habita, onde se entretém no seu passatempo
predilecto, fazendo nascer universos inteiros, uns atrás de outros, com um
sorriso juvenil desenhado no rosto. Por momentos os dois são como um só.
Rodopiam num ritmo frenético, os universos inteiros rodopiam num ritmo
frenético como continentes perdidos.
- A minha história é a nossa história! A minha
viagem é a tua viagem e tem tudo o que necessita para ser feliz.
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